13/junho/2024

O início do fim

Por Firminiano Maia / 13 de Julho de 2024

Preparem-se! Contagem Decrescente

Se fosse possível descrever o meu estado de espírito em apenas duas palavras, estas seriam: Angústia e temor.

Angústia pela sensação de impotência face ao desenrolar de acontecimentos que estão a reformatar o nosso mundo. Temor por aqueles que amo e que, pela lei da vida, me sobreviverão, num mundo cheio de perigos e opressão. Esse mundo chegará, talvez não amanhã, mas, de qualquer forma, mais cedo do que se possa julgar.

O "talvez atentado" de ontem contra Trump selou definitivamente o resultado das eleições presidenciais nos EUA. Donald Trump será o próximo presidente dos Estados Unidos da América, a ainda maior potência mundial.

Fixem esta data de 13 de julho de 2024, pois foi nesse dia que a contagem decrescente para o fim da época de maior e mais durável progresso da humanidade, iniciada em 1945, começou.

Se alguma vez a América (EUA) foi, como se reivindicou, o farol da liberdade e da democracia no mundo, esse farol está prestes a apagar-se. Quem sabe se de vez.

É verdade que a revolução que permitiu a independência americana da coroa britânica foi uma revolução libertadora que consagrou na sua constituição direitos que, pela sua simples enunciação, constituem extraordinários avanços civilizacionais, como "o direito à busca da felicidade".

Fieis à sua própria condição de ex-colônia, os EUA nunca tentaram constituir para si próprios um império territorial. Por isso, e por sempre ter mantido internamente uma constituição democrática, puderam, durante algum tempo, intitular-se como "Campeão da Liberdade".

Porém, o crescente poderio económico e militar que fez da ex-colónia britânica a maior potência mundial, fê-la perder muito do fascínio inicial. Ao adquirir interesses globais, interveio, inspirou ou liderou golpes de estado e participou em guerras difíceis de justificar.

A democracia americana é de cariz europeu. Ou melhor, europeu anglo-saxônico. Mas não é a mesma coisa que uma democracia europeia. É apenas da mesma família. Há que considerar duas verdades: A democracia europeia é mais equilibrada, gera menos desigualdades e, atualmente, a Europa é a região na qual a vida humana merece mais respeito e proteção.

A situação privilegiada da Europa no que toca aos direitos humanos, ao exercício das liberdades e ao seu comparativamente elevado conforto e nível de vida, deve-se à proteção militar provida pelos EUA, por interposta pessoa da NATO. Isto pode ser negado por motivos políticos, mas não o é pelos factos.

A inevitável vitória de Trump, definitivamente decidida após o atentado, vem mudar todo o jogo geoestratégico a nível mundial. Os EUA ficarão entregues a um narcisista patológico, vingativo, inculto, absolutamente alheio ao conceito de solidariedade humana e, sobretudo, falho de qualquer réstia de compaixão.

O caminho dos seus cúmplices europeus, dos Putins aos Orbans, passando inevitavelmente pelo Dr. Ventura, ficará facilitado, iluminado pela luz do exemplo espalhafatoso do aliado mais poderoso do mundo. Como é hábito nestes casos, todos os oportunistas sairão dos seus buracos para se aquecerem na chama do novo poder. Veremos muitos "democratas" a mudar de campo.

A democracia nos EUA será substituída por uma "Democracia Iliberal", que só será liberal (ultraliberal) na economia. Parece uma contradição? Quem desta gente alguma vez se preocupou com contradições, mentiras etc.?

Os Venturas na Europa já estão na fila para constituírem a sua própria "democracia iliberal". Orban já a tem, Le Pen foi por um triz, Ventura fala na terceira república etc.

Perguntam-se o que é uma "democracia iliberal"? É apenas uma ditadura travestida de democracia:

Existem eleições, mas ganham sempre os mesmos.

Existem tribunais, mas não ousam contradizer os governos.

Existem parlamentos, mas com um partido sempre dominante e talvez mais um ou dois partidos para disfarçar. É importante haver parlamentos porque há que aprovar leis que permitam ao líder manter-se eternamente no poder, fazer nomeações para cargos chave etc. Para manter a aparência de "democracia", é necessária a aparência de normalidade conferida por órgãos "eleitos".

Existe imprensa, mas é a voz do dono e praticamente só publica versões oficiais.

Como se conseguem esses milagres? Os métodos são simples, eficazes e conhecidos:

Os partidos dissidentes são ilegalizados sob qualquer pretexto, os políticos discordantes são eliminados fisicamente, internados em hospícios ou presos no âmbito de processos judiciais forjados.

Os tribunais são fidelizados pela nomeação de apoiantes, promoção de incapazes e promoção da ruína ou paralisação das carreiras dos outros. A prisão de alguns juízes também pode ocorrer.

Existe imprensa, mas não é livre. Órgãos de informação não convenientes são encerrados, jornalistas são presos, exilados ou têm suas carteiras profissionais retiradas. Nos órgãos de informação que restarem, nomeiam-se diretores e chefias alinhados com o chefe.

Ditaduras, sem mais.

Entretanto o ciber comunismo chinês, o neocapitalismo oligárquico e imperialista russo, a "democracia iliberal" de Orban, as outras "democracias iliberais" em preparação pela Europa, o regime lunático da Coreia do Norte, a teocracia fanática iraniana. Esses regimes, embora com diferenças, estão todos de acordo neste momento: eles ocuparão o espaço que Trump fará o favor de lhes deixar livre com seu recuo isolacionista. Serão as potências de amanhã e quererão a sua recompensa: a redução dos EUA a potência regional, a predominância política, económica e militar sobre a Europa.

A Europa, a inocente e virginal Europa plena de ilusões, belas intenções, complexos de culpa históricos e estupidez à escala cósmica, atualmente incapaz de se defender com êxito, será a recompensa mais apetecível: não só a cereja, mas também o bolo.

A primeira vítima será a martirizada Ucrânia. A Ucrânia não deixará de existir como entidade. Os russos ainda têm presente o Afeganistão e sabem o que custa manter a ocupação militar de um país hostil. O país será desarmado, reduzido na sua dimensão territorial, economicamente saqueado, sua identidade histórica e cultural será obliterada. Populações inteiras serão deportadas e russificadas algures par lá dos Urais, e milhões de russos virão instalar-se na Ucrânia.

As lideranças serão presas, exiladas ou eliminadas. O país transformar-se-á numa nova Bielorrússia, com um fantoche do Kremlin instalado na presidência.

Entre russos e chineses, Trump é tido como um fanfarrão e nem mesmo o fato de ser considerado imprevisível os assustará. Durante o seu primeiro mandato, já experimentaram sua mão e sabem com o que podem contar. Por outro lado, não é impossível que estejam melhor informados sobre o que se passa nos corredores do poder em Washington do que o próprio Trump.

Perante o recuo dos EUA e a impotência militar do restante Ocidente, os chineses voltarão à carga por Taiwan e pelo domínio sem contestação do Mar da China sobre as pretensões filipinas e vietnamitas. O destino da própria Coreia do Sul torna-se incerto.

Um novo mundo com um sociopata na Casa Branca, disputado por loucos, mitómanos, fanáticos, oportunistas de todo tipo e manipuladores à escala global, grandes tiranos ou meros tiranetes locais, é o que nos espera.

Não para amanhã, mas o relógio da contagem decrescente já começou a consumir segundo após segundo.

Rezem aqueles que são crentes, choremos os que ainda conseguem fazer isso e preparem-se todos.

A promessa de Huxley não se cumprirá. Não haverá um "Admirável Mundo Novo".