O lugar de Sergei Eisenstein na história do Cinema

por Firminiano Maia

Trailer
O COURAÇADO DE POTEMKIN
realizado por Sergei Eisenstein, 1925
Veja o trailer da nova versão restaurada

A 14 de Outubro de 1888, o ancestral hábito de contar estórias ganhou um novo meio de expressão.
Nesse dia o gaulês Louis le Prince fez o primeiro filme de que existe registo. Dois segundos de filme mostram familiares a caminhar num jardim. Estes primeiros dois segundos de imagens em movimento ficaram conhecidos como “Roudhay Garden Scene”.
Muita água correu debaixo das pontes após este momento inicial.

1 - Os Irmãos Lumière
E 1895 Léon Bouly inventa o primeiro projetor de cinema, o cinematografo, mas a sua patente é registada por Auguste e Gustave Lumiére o quais fazem a primeira projeção publica em 28 de Dezembro desse mesmo ano em Paris.
Os irmãos, ambos engenheiros e industriais limitaram-se a encaram o animatógrafo como uma curiosidade de feira, nunca intuindo para o invento outra utilidade.

2 - George Méliés
Porém, a um cavalheiro que assistiu a uma das projeções, ocorreu-lhe que talvez pudesse usar o cinematógrafo e esta nova técnica para contar estórias com imagens. Esse homem chamava-se George Méliès e “inventou” o cinema de ficção.
Méliès foi um inovador com uma enorme imaginação, construiu o seu próprio estúdio e introduziu técnicas como o Stop Motion (percursor do cinema de animação) criando efeitos especiais etc.
Fez filmes de ficção científica como “Da terra à Lua” inspirado em Júlio Verne e inclusivamente o primeiro filme de terror.
Por curiosidade, diga-se que o primeiro filme português de 1896 intitulava-se “O Zé Pereira na romaria de Santo Tirso).
Manuel de Oliveira só entraria na história, muito mais tarde, em 1931 com “Douro Faina Fluvial” ou em 1942 quase uma década depois com o “Aniki Bóbó”.

3 - D.W. Griffith
Já chegados a 1915 , nos EUA D.W. Griffith realiza “The Bith of a Nation”. Na sua carreira realizaria mais cerca de 150 longas, médias e curtas metragens.
Mas não é pela quantidade de filmes produzidos que Griffith se destaca, mas sim pela sua criatividade e capacidade de inovação.
O realizador, manteve uma relação conflituosa com o estúdio que o produzia. Os termos desse desentendimento, hoje seriam considerados anedóticos. Particularizando: Confrontados com takes de grandes planos de câmaras sobre pessoas ou objetos, planos ditos americanos (de meio corpo) e outras “bizarrices”. Os produtores escandalizaram-se. Um dos seus argumentos ficou para a história do cinema.
A técnica dominante à época era a do “Standard Plan”. Na prática tratava-se de teatro filmado. E os estúdios considerava que essa era uma técnica indiscutível uma vez que “se o espectador pode ver os atores de corpo inteiro, porque iria pagar por ver só a sua cara ou o seu tronco?”
Na verdade, ao manipular a distância entre a câmara e o objeto flmado, ao colocar a própria câmara do dessa forma a forma de observação do espetador, algo a que hoje estamos tão habituados que nem disso damos conta, Griffith não fez coisa pouca.: È apenas e tão só a proclamação de independência do cinema em relação às outras arte. O nascimento da 7ª arte e o primeiro balbuciar de uma linguagem artística específica e diferente das outras.
A utilização da câmara conjuntamente com a utilização articulada e intencional do travelling, da panorâmica do plongé e contra plongé foi um passo de gigante e pode-se afirmar que constituiu a “invenção” da linguagem cinematográfica. São, se se aceitar a analogia, a gramática básica de uma nova linguagem. A linguagem cinematográfica.

4 – O Expressionismo Alemão no Cinema
O expressionismo foi um movimento intelectual e artístico com presença em todo o mundo e manifestações em todas as artes.
Para o nosso objetivo interessa-nos o Cinema Expressionista Alemão. Porquê? Porque o movimento no cinema inspirou ou influenciou cineastas como Orson Welles, Hitchcock e obviamente o próprio Sergei Eisenstein. No cinema, o chamado Expressionismo alemão foi uma escola de características bastante marcadas cuja influência se estende aos dias de hoje, e para a qual concorreram um conjunto de realizadores.
Destaco os mais conhecidos, assim como, por cada um, uma das suas obras mais emblemáticas.
Fritz Lang com “Metrópolis” Modelo para Gotham City de Batman.
Robert Wiene com “O consultório do Dr. Cagliari”.
Friedrich Murneau com “Nosferatum” (O primeiro Vampiro do cinema).
esta escola é facilmente reconhecível mas dificilmente se encontrará uma definição dado que todos eles carregam também um pronunciado cunho pessoal dos seus autores.
Parece consensual que às artes plásticas foram colher influências de Van Gogh, Munch e El Greco.
Em oposição ao realismo, procuravam sobretudo a abstração e a expressão enfática dos sentimentos por seu intermedio.
E esses sentimentos não seriam os mais convencionais, filhos que eram de um período caótico na Alemanha que mediou entre as duas guerras mundiais.
Esteticamente expressavam-se de acordo com eles. Maquilhagens carregadas, contrastes pronunciados de luz e sombra, figuras distorcidas, ângulos agudos, sequências de montagem bruscas, etc.
No plano técnico ficou mesmo conhecido como “plano alemão” um movimento de câmara obliquo que sublinhava a instabilidade e intensidade dos sentimentos. Absolutamente não convencionais, apelidavam-se a si próprios como “Adolescentes Apocalípticos.


5 – Sergei Eisenstein


Eisenstein começa no cinema mudo e acaba no sonoro. Realiza o seu primeiro filme “O diário de Glumov”, ainda em vida de Lenine, e acaba o seu segundo filme “A Greve”, já com José Stalin instalado no Kremlin. O Seu Último filme foi, já sonoro, “Ivan o Terrível parte II” só estreia em 1958 dez anos após a sua morte e da morte de Stalin em 1953, que tinha banido o filme.
Em 1925 tinha realizado aquele que foi considerado um dos filmes mais influentes na história do cinema e que, fechou definitivamente a questão de se saber se o cinema era ou não uma arte autónoma em relação às outras artes, tema ainda alvo de polémica em alguns círculos.
Eisenstein não foi apenas realizador de cinema. Engenheiro de profissão, tendo iniciado o seu convívio com as artes no teatro, foi também um estudioso do cinema, tendo estudado, teorizado, publicado e praticado nos filmes que dirigiu.
Da sua reflexão teórica e experiência prática resultou um objeto intelectual que acabou por constituir a última peça, a que faltava para concluir a construção do edifício da linguagem cinematográfica tal como hoje a conhecemos.
Claro está, que desde o tempo do seu último filme muito aconteceu. A arte incorporou o som, a cor, mais recentemente a cibernética e floresceu num grande número de géneros. Mas a Base em que tudo assenta, a gramática que estrutura toda a expressão, o método, a cadeia de imagens a sua cadência e encadeamento, os vazios e o seu ritmo a luz e a sombra, mais tudo o que reunido e conjugado num objeto estético projetado num ecrã transmita ideias sentimentos e emoções ao espetador a linguagem dos filmes, completou-a Eisenstein ao juntar-lhe a última pedra: Eisenstein colocou a última pedra: A teoria da montagem.

5.1- A teoria da Montagem
Segundo postulou o cineasta, a montagem divide-se em cinco categorias cujas designações, talvez não inocentemente, remetem para a arte musical.
- Montagem Métrica: Baseia-se na duração dos planos. A montagem é realizada em intervalos fixos e regulares, independentemente do conteúdo emocional ou visual das mesmas. O tempo de exibição de cada plano, cria uma sensação de ritmo mais ou menos acelerado.
- Montagem Rítmica: Leva em conta não só a duração dos planos como na anterior, mas também a seu movimento no âmbito dos quadros. Estabelece-se uma dinâmica em que o ritmo é determinado quer pelo conteúdo visual quer pela continuidade da ação entre os planos.
- Montagem Tonal: Pretende a criação de um determinado ambiente emocional. Para esse fim faz uso dos contrastes luminosos ângulos de tomada de imagem e outros recursos passíveis de induzir no espectador um estádio emocional.
- Montagem Overtonal: Conjuga os três tipos de montagem já referidos. Não se dirige à obtenção de uma resposta direta e imediata. Visa uma resposta emocional mais complexa e profunda.
- Montagem Intelectual: Tem como objetivo a montagem das imagens de forma a induzir ideias ou conceitos abstratos na mente do espectador. Pela justaposição de imagens procura-se criar associações simbólicas.

5.2- As influências
Os postulados da teoria da montagem atrás enunciados, visam muito mais longe e revestem-se de maior importância do que à primeira vista aparentam.
O cineasta refletiu e estudou mais do que a maioria dos seus colegas contemporâneos sobre as potencialidades da nova arte. De facto, entre as primeiras exibições dos irmãos Lumière e o “Diário de Glumov” medeiam uns escassos 35 anos.
Eisenstein foi culturalmente um homem do seu tempo, Judeu russo, viveu a primeira e a segunda guerra e apesar da devastação provocada pelas duas guerras as crises que as precederam e lhes sucederam, as primeiras duas décadas do século XX registaram uma extraordinária vitalidade com novas descobertas no campo das ciências eclosão de novos movimentos artísticos, divulgação de filosofia, literatura psicologia etc. O homem e o artista fizeram parte desse mundo em mudança e dele colheram frutos.
Foi certamente influenciado pelos que o antecederam, nomeadamente por Griffith, pelos expressionistas Alemães, (Muitas cenas de filmes seus remetem par o expressionismo alemão).
Porém as influências externas ao cinema, artísticas, filosóficas e políticas, que ele aportou para o cinema, explicam melhor, quanto a mim a elaboração da teoria da montagem. Eis algumas dessas influências:

- A dialética Marxista – Desempenhou um papel na forma como as suas narrativas são sequenciadas. A solução de problemas narrativos vem sempre da síntese resultante da luta de opostos.
- O Formalismo Russo- Movimento intelectual com origem na literatura, defensor da importância da forma e a sua relação com o conteúdo. Toda a teoria da montagem tem a ver com a necessidade de encontrar a forma eficaz de veicular o conteúdo.
- A filosofia de Nietzsche – evidenciou a Importância do conflito e da luta do poder, da revolução e da necessidade da mudança social e da auto superação.
- A Psicanalise de Freud – demonstrou como funcionavam os mecanismos inconscientes e a utiliza-los sendo esse o objetivo da Montagem intelectual
- As experiências e teorias de Pavlov – deram-lhe a conhecer a teoria dos reflexos condicionados, segundo a qual os sujeitos objeto de determinados estímulos tendem a ter determinadas reações automáticas ou reflexas sempre que esse estimulo se verifique. No campo da linguagem cinematográfica e com o recurso à montagem o realizador sabe que apresentando certas cenas ou sequencias obtém dos espectadores uma reação automática inconsciente que é sempre do mesmo tipo.

Escolhemos para ilustrar o presente artigo, a famosíssima sequência do massacre das escadarias de Odessa, conhecida de todos os amantes de cinema, não só por pertencer ao filme mais celebrado do autor “O couraçado Potemkin”, mas sobretudo porque se trata de uma verdadeira montra onde sé exposta e utilizada toda a panóplia de recursos e teorias geradas pelo cineasta.

Stalin baniu-o segundo consta por o considerar “demasiado formalista” longe do realismo socialista, género oficializado pelo regime soviético, mas acima de tudo porque consta Stalin se terá sentido “desconfortável” com os traços de paranoia sugerido no personagem de Ivan em “Ivan o Terrível II”.
Apesar de ostracizado por Stalin, ele foi um comunista convicto. Os seus filmes, ou são claramente propagandísticos da revolução de Outubro ou russófilos com por exemplo Alexandre Nevsky ou Ivan o Terrível.
Seria interessante referir que o mundo da política rapidamente se apercebeu da importância do cinema. Não será por acaso dois dos nomes referidos são também expoentes da propaganda política

Griffith faz a apologia dos Estados Confederados e da Ku-Klux-Klan.
Eisenstein faz a propaganda do estado Soviético da revolução de outubro e das suas realizações.
Leni Riefenstahl, conhecedora de ambos, é a propagandista do Estado Nazi e de Hitler no campo do cinema.

Uma advertência final: Por mais execráveis que sejam a Ku-Klux-Klan, Hitler e o regime nazi ou a ditadura de Stalin, a sua crítica e a dos seus apaniguados é constantemente feita por nós nas nossas atitudes, declarações e escritos.
O presente artigo tem outro escopo. O de situar Eisenstein e o seu contributo na história do cinema e na sua evolução enquanto arte. Há lugar para tudo e seria cansativo que cada vez que por qualquer tivesse que dizer: Tenho um Volkswagen tivesse que acrescentar que não o tiro da garagem porque foi produzido por ordem de Hitler. Ou que tivesse que fazer ato de contrição quando uso vestuário Boss por ter sido o criador dos uniformes SS.

Firminiano Maia

Cena da Escadaria de Odessa O COURAÇADO DE POTENKIM Sergei Eisenstein, 1925

Sergei Eisenstein, realizando montagem de filme.