A Venezuela de Putin
por : Simon Ben-David
O título “A Venezuela de Putin” pode parecer, à primeira vista, uma combinação estranha ou até provocatória. Infelizmente não é. Reflete uma realidade geopolítica e económica que vai além das fronteiras da Venezuela. Este artigo explora como a Rússia, sob a liderança de Vladimir Putin, tem exercido uma influência significativa sobre este país latino-americano. Trata-se de uma relação que transcende simples alianças políticas, tornando-se um modelo de governação autoritária que utiliza os recursos nacionais não para o bem-estar da sua população, mas para sustentar um regime repressivo e violento.
Assim como na Rússia, que canaliza todo o dinheiro para alimentar uma economia de guerra, a Venezuela canaliza enormes receitas provenientes de recursos naturais, como o petróleo, para reforçar a sua máquina de controlo e repressão. Esta dinâmica cria paralelos entre os dois regimes, revelando como Moscovo se tornou um pilar estratégico e ideológico para Caracas na sua perpetuação de práticas antidemocráticas e de violação dos direitos humanos.
Uma Aliança de Sobrevivência Autoritária
Nos bastidores da geopolítica contemporânea, um eixo peculiar tem ganho força: a aliança entre a Rússia de Vladimir Putin e a Venezuela de Nicolás Maduro. Este pacto, aparentemente improvável, é forjado em interesses mútuos de sobrevivência política, económica e militar. Apesar das diferenças culturais e históricas, os dois regimes encontram na repressão, na manipulação democrática e na exploração de recursos naturais os seus principais pontos de convergência.
Apoio Político e Legitimação Internacional
Desde a ascensão de Maduro ao poder, a Rússia tem sido um dos seus aliados mais firmes. Moscovo apoia sistematicamente o regime venezuelano, especialmente em momentos de contestação interna e pressão internacional. Após as eleições presidenciais de 2018, amplamente condenadas como fraudulentas, a Rússia foi um dos poucos países a reconhecer a vitória de Maduro. Este gesto conferiu ao líder venezuelano uma legitimidade internacional mínima, essencial para resistir às sanções impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia.
A estratégia de Putin é clara: ao apoiar Maduro, a Rússia projeta influência na América Latina, uma região historicamente dominada pelos Estados Unidos. Este jogo geopolítico permite a Moscovo desafiar Washington no seu próprio “quintal” e reforçar a narrativa de resistência ao imperialismo ocidental.
Apoio Militar e Repressivo: Um Pilar do Regime
A cooperação militar é outro pilar fundamental desta aliança. A Rússia tem sido uma fornecedora crucial de armamento ao regime de Maduro, desde aviões de combate a sistemas de defesa antiaérea. Esta parceria não se limita ao fornecimento de equipamento: especialistas militares russos treinam soldados venezuelanos e auxiliam no reforço da segurança interna, essencial para manter. Maduro no poder.
Além disso, a polícia e as forças repressivas venezuelanas beneficiam de assessoria russa em técnicas de controlo social e repressão de dissidências. Num país onde protestos são frequentemente reprimidos com brutalidade, este apoio é vital para perpetuar a estrutura autoritária. Moscovo tem partilhado com Caracas a sua experiência em vigilância digital, ajudando o regime a monitorizar e suprimir vozes opositoras.
Petróleo: O Ouro Negro que Alimenta a Aliança
A economia venezuelana, altamente dependente do petróleo, tornou-se um campo fértil para os interesses russos. A Rosneft, gigante petrolífera russa, estabeleceu uma presença significativa na Venezuela, assumindo o controlo de várias operações e garantindo direitos sobre vastas reservas de petróleo. Em troca, a Rússia fornece financiamento crucial ao regime venezuelano, permitindo que Maduro contorne as sanções ocidentais e mantenha a sua máquina política e militar em funcionamento.
Além disso, Moscovo tem desempenhado um papel fundamental na logística de exportação de petróleo venezuelano. Com a ajuda russa, Caracas consegue desviar as sanções internacionais, escoando petróleo para mercados que ainda se mostram dispostos a comprá-lo, como a China e a Índia.
Um Refúgio para Empresas e Capital Russos
Para além do setor energético, a Venezuela tornou-se um porto seguro para várias empresas russas que procuram fugir à crescente pressão internacional. O sistema bancário venezuelano é usado como uma válvula de escape para operações financeiras russas, facilitando a movimentação de capitais que, de outra forma, estariam bloqueados devido a sanções.
Esta relação financeira é mutuamente benéfica: enquanto Moscovo encontra na Venezuela um parceiro disposto a acolher os seus capitais, Caracas depende do fluxo de dinheiro russo para manter o regime à tona de água.
A Colaboração no Campo da Informação
Outro ponto crítico é o apoio russo na guerra de informação. Maduro recorre à máquina de propaganda russa para moldar a perceção pública, tanto interna como externa. Através de canais como a RT (Russia Today) e a Sputnik, a Rússia ajuda a disseminar uma narrativa pró-Maduro, deslegitimando opositores e distorcendo a realidade sobre a crise humanitária e política que assola o país.
Além disso, as táticas de desinformação russa são utilizadas para minar as oposições internas e desacreditar vozes dissidentes. Esta colaboração é central para criar uma cortina de fumo que mantém a população venezuelana desinformada e desmobilizada.
Interesses Geopolíticos Alinhados
A aliança entre Putin e Maduro não se limita ao plano bilateral; insere-se numa estratégia mais ampla de resistência a uma ordem mundial dominada pelo Ocidente. Ambos os regimes partilham a ambição de construir um bloco alternativo, reunindo países que desafiam os valores democráticos liberais e os princípios de direitos humanos promovidos pelas potências ocidentais.
A presença da Rússia na Venezuela também serve como plataforma para influenciar outros países da região, como Cuba, Nicarágua e Bolívia, fortalecendo um eixo anti-EUA na América Latina.
Cooperação Tecnológica e Digital: Vigilância e Cibersegurança
A Venezuela tem beneficiado do know-how tecnológico da Rússia em áreas de vigilância e cibersegurança. Este apoio permite ao regime de Maduro monitorizar a oposição digitalmente, bloquear sites e censurar conteúdos contrários ao regime. Além disso, há suspeitas de que hackers russos colaboram com o regime venezuelano em campanhas de desinformação e na proteção contra ataques cibernéticos internacionais.
A cooperação também se estende ao desenvolvimento de redes de telecomunicações. A Rússia ajuda a Venezuela a modernizar as suas infraestruturas de comunicação, o que, paradoxalmente, fortalece tanto a capacidade repressiva do regime quanto a sua propaganda.
A Venezuela como Plataforma para Atividades Ilícitas
A aliança com a Rússia permite que a Venezuela funcione como uma plataforma para atividades ilícitas que beneficiam ambos os regimes. O país sul-americano tem sido acusado de facilitar o tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro, atividades em que interesses russos estariam, direta ou indiretamente, envolvidos.
Além disso, o ouro venezuelano tornou-se um recurso crucial para sustentar o regime de Maduro. Grande parte do ouro extraído ilegalmente no país é exportado para a Rússia, onde é refinado e vendido, gerando lucros que escapam às sanções internacionais.
A Questão Humanitária: Crise e Migração
A crise humanitária na Venezuela, exacerbada pela má gestão económica e repressão política, é um dos piores desastres da região. A aliança com a Rússia, em vez de aliviar esta situação, perpetua-a. Moscovo continua a financiar Maduro, garantindo a sobrevivência do regime, mas sem fornecer assistência humanitária significativa.
A crise humanitária também tem uma dimensão migratória. Desde o início da crise venezuelana, mais de 7,3 milhões de pessoas emigraram do país, tornando-se uma das maiores crises migratórias do mundo. Os principais destinos incluem Colômbia (com mais de 2,8 milhões de venezuelanos), Peru, Chile, Equador e Brasil. O Brasil, em particular, acolhe cerca de 426 mil venezuelanos, muitos concentrados na região norte, principalmente no estado de Roraima. Outros países da América Central, Caribe e até mesmo nações europeias têm recebido fluxos significativos de refugiados venezuelanos. A Madeira recebeu milhares de Portugueses e luso descendentes, bem como venezuelanos, que relatam a repressão e as enormes carências porque passaram. A Venezuela foi durante muitos anos um destino de imigração dos madeirenses.
Os milhões de venezuelanos que fugiram do país, têm criado instabilidade nas regiões vizinhas. Este êxodo massivo enfraquece o regime internamente, mas também gera uma ferramenta geopolítica, com Maduro a usar a migração como uma forma de pressão sobre outros países da América Latina .Atualmente, a população da Venezuela é de aproximadamente 29 milhões de habitantes.
o que significa que cerca de 26% da população saiu do país.
O Fator Chinês: Competição ou Cooperação?
Embora a Rússia seja o principal aliado de Maduro, a China também tem um papel importante na Venezuela, especialmente em termos económicos. Há uma competição tácita entre Moscovo e Pequim por influência no país. Enquanto a Rússia se foca em questões militares e políticas, a China investe em infraestruturas e empréstimos.
No entanto, ambos os países têm objetivos semelhantes: garantir que a Venezuela permaneça fora da órbita ocidental e que continue a fornecer recursos estratégicos, como petróleo e minerais raros. A relação tripartida entre Venezuela, Rússia e China reflete uma resistência conjunta ao que consideram ser a hegemonia ocidental.
Riscos e Futuro da Aliança
Embora a relação entre a Rússia e a Venezuela pareça sólida, há riscos significativos para ambos os regimes. Para a Rússia, a Venezuela representa um investimento arriscado. Qualquer mudança no equilíbrio político interno venezuelano, como um colapso do regime de Maduro, colocaria em risco os investimentos russos.
Além disso, o impacto das sanções internacionais torna a cooperação económica cada vez mais difícil. A Rússia está a sofrer os efeitos de sanções relacionadas com a sua invasão da Ucrânia, enquanto a Venezuela continua sob pressão devido à repressão política e à crise humanitária. Estas restrições complicam o fluxo de capital, recursos e tecnologia entre os dois países.
Por outro lado, a dependência de Maduro da Rússia limita a sua capacidade de diversificar alianças internacionais. Isso faz com que o regime venezuelano esteja preso a um parceiro que também enfrenta isolamento e desafios internos.
Uma Aliança de Sobrevivência a Qualquer Custo
A relação entre a Rússia e a Venezuela é, acima de tudo, uma aliança de sobrevivência. Ambos os regimes enfrentam isolamento internacional, crises económicas internas e forte oposição política no caso da Venezuela. Apesar das suas diferenças, encontram na cooperação mútua os meios para resistir a estas pressões.
No entanto, esta aliança é marcada por riscos e vulnerabilidades. A manutenção deste eixo depende da capacidade de ambos os regimes em resistir às pressões internas e externas, uma tarefa que se torna cada vez mais difícil. Enquanto isso, o povo venezuelano continua a pagar o preço mais alto, vivendo miseravelmente, sendo vítima de um regime que prioriza a sua própria sobrevivência acima do bem-estar da população. A falta de alimentos, medicamentos, liberdade e segurança não é apenas uma tragédia humanitária; é uma estratégia de controlo. Mais de 7,3 milhões de pessoas emigraram do país, tornando-se uma das maiores crises migratórias do mundo. O futuro da Venezuela permanece incerto, mas uma coisa é clara: enquanto o regime de Maduro persistir, as necessidades básicas e os direitos fundamentais continuarão a ser um luxo inalcançável para a maioria da população.
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