Texto #1
por Firminiano Maia
★★★★★
A Ideia que ocupa a Mente que comanda a Mão que empunha o Machado
"A IDEIA"
O presente escrito é a primeira parte de um conjunto de textos sobre a ideologia euroasianista e as consequências práticas da sua presença enquanto ideologia de regime da Federação Russa. Ressalvamos o facto de o euroasianismo não ser oficialmente assumido como ideologia de Estado. No entanto, está presente em todos os níveis da administração do estado, do ensino, do aparelho militar, e da comunicação social estatal e conexos privados, sob controle político. Atesta-o o facto de um grande número de responsáveis políticos e militares emitirem declarações e terem atuações conformes e de ser abertamente defendida sem subterfúgios, pelos meios de comunicação estatais e/ou controladas pelo governo.
por Firminiano Maia
Na base da base do euroasianismo está o desenvolvimento e a adoção de um conjunto de ideias que ganham substancial relevo na filosofia de Martin Heidegger. Algumas dessas ideias constituem o ponto de partida teórico para o nazismo, e para Dugin e o euroasianismo, mas também para os movimentos ocidentais populistas de extrema direita.
Para avaliarmos a extensão da influência da filosofia de Heideggeriana, que se estende pelos cinco continentes, até o nosso velho conhecido Steve Bannon esteve oito horas em reunião com Dugin à margem da conferência de Roma em 2018 sob o pretexto de discutir a filosofia de Heidegger,
segundo Beijamin R. Teilelbaum no seu livro “War for eternity”
Ocupemo-nos agora do filosofo propriamente dito:
Martin Heidegger
Foi um dos filósofos mais influentes do século XX, conhecido pela sua obra inovadora na fenomenologia, ontologia e existencialismo. O seu trabalho mais notável, “o Ser e o Tempo”
Heidegger Foi, por um breve período, filiado no Partido Nazi. Como Reitor da Universidade de Freiburg, implementou algumas políticas alinhadas com o regime. Mas acabou por se distanciar deste, embora Hitler o tivesse tido sempre em alta consideração. O seu trabalho mais notável terá sido “o Ser e o Tempo”.
A influência de Heidegger é profunda, abrangendo campos como a filosofia, a literatura e as ciências sociais, onde sua crítica à técnica e ao humanismo foi parcialmente adotada pelo nazismo.
Entre Hitler e Heidegger, não existe uma ligação direta ideológica ou filosófica. Mas algumas das ideias força do nazismo, são, bem ou mal, inspiradas por Heidegger embora provavelmente mal apropriadas, tal como aconteceu com Nietzsche.
Eis algumas das linhas de pensamento que foram tomadas como tendo influenciado o regime nazi:
A desconstrução da “metafisica ocidental” por contraponto ao existencialismo.
A oposição à modernidade a que contrapõe à tradição.
A crítica da técnica por considerar que instrumentaliza e desumaniza o ser.
Ao individualismo ao qual contrapõe o sentido de comunidade.
contra o individualismo o anti-individualismo.
Alexander Dugin
É considerado o filosofo oficioso do regime Russo. Alexander Dugin é um filósofo e teórico e político russo amplamente conhecido pela sua influência nas correntes nacionalistas russas.
Dugin nasceu em Moscovo, em 1962, e começou a ganhar destaque nos anos 90, período de grande instabilidade na Rússia pós-soviética. Estudou temas como a filosofia e a religião, interessando-se particularmente pelo ocultismo e pelo misticismo esotérico. Com o tempo, começou a desenvolver um pensamento que misturava filosofia, geopolítica e elementos da tradição russa, recorrendo à obra de filósofos como Martin Heidegger e Carl Schmitt,
Alexander Dugin, embora nunca tenha ocupado oficialmente um cargo de governo de alto nível, a sua influência é considerada significativa devido à sua proximidade com círculos ideológicos e institucionais que moldam a geopolítica e o nacionalismo russo. Eis alguns cargos e funções mais relevantes que exerceu:
Académico e Professor Universitário.
Conselheiro de Personalidades e Partidos Políticos.
Nos anos 90 e início dos anos 2000, Dugin atuou como conselheiro informal para políticos e partidos nacionalistas russos, incluindo membros de partidos integrados no atual regime, O seu aconselhamento foi especificamente direcionado para temas de geopolítica e de nacionalismo.
Fundador do Movimento Internacional Eurasianista.
Presidente do Partido Eurásia.
Diretor do Centro de Estudos Conservadores da Universidade Estatal de Moscovo.
Autor e Teórico de Referência do Exército Russo.
Figura de Destaque nos Media e Redes Sociais
Onde Dugin se encontra com Heidegger
Alexander Dugin encontrou na filosofia de Martin Heidegger vários princípios que serviram de base para a construção de sua própria ideologia. Não seremos exaustivos, mas sublinhamos que ambos comungam em vastas áreas de interesse como:
Crítica à Modernidade e ao Liberalismo
Heidegger criticava a modernidade e o tecnicismo, que via como redutores da experiência humana ao mundo material e retirando ao ser humano a sua conexão específica com o Ser.
Ideia de Multipolaridade
Heidegger foi um dos primeiros a defender a valorização das tradições locais contra a padronização do mundo pela modernidade, algo que se reflete na ideia duginiana de "multipolaridade".
Dugin acredita numa ordem mundial onde diferentes civilizações e blocos regionais podem coexistir com sistemas de valores distintos. Uma "multiplicidade de verdades" que soa como a exclusão de Heidegger à universalidade imposta pela modernidade.
Rejeição do Racionalismo Ocidental
Hidegger valoriza a tradição e a espiritualidade sobre o racionalismo.
A Recusa da Verdade Universal
É considerado que a verdade depende da forma como o ser se relaciona com o contexto.
As coincidências evidenciaram como Dugin construiu uma ideologia inspirada em Heidegger para promover a visão de uma Rússia única e "autêntica", que resiste ao domínio do pensamento ocidental.
Embora Dugin adapte as ideias de Heidegger a uma filosofia geopolítica, a sua admiração pelo seu mentor é central na construção de um sistema de valores que coloca a Rússia numa posição ontológica distinta e resistente à globalização.
Este breve exercício, não têm a pretensão de se intrometer na discussão de questões filosóficas, muitíssimo mais complexas, ou de aprofundar as questões colocadas por Heidegger ou Dugin. Tal não se enquadra no objetivo desta série de artigos.
O Objetivo destes quatro artigos dos quais este é apenas o primeiro é o de evidenciar o facto de que uma ideologia, neste caso o euroasianismo de Dugin, ideologia oficiosa do Estado Russo, tem origem num conjunto de ideias, bem ou mal interpretadas, em conjunto com outras, elaboradas neste ou naquele contexto político. São elas que estão na base dos edifícios ideológicos, que podem ser mais ou menos positivos ou negativos nos efeitos concretos que produzem na vida dos cidadãos.
Muitas das ideias veiculadas por Heidegger, Dugin, espantemo-nos, ou até por Hitler, se isoladamente consideradas parecem ser apelativas.
Quem não concordaria com o facto de o individualismo que resulta do liberalismo ser hoje exagerado?
Quem desvalorizaria, como o individualismo diminui a importância da comunidade.
Quem achará que uma verdade universal (particularmente se for de natureza política) é recomendável?
Quem não achará aceitável que se critiquem as “elites”.
Quem não achará que o racionalismo “Tout court” inibe outras dimensões da experiência Humana como a espiritualidade? (Não confundir com religião).
Muitos leitores de vários quadrantes políticos concordariam com muitas delas.
Porém, se estas mesmas ideias sedutoras forem conceptualizadas de uma forma específica e em conjunto com outras.; se depois forem reunidas e organizadas de forma paradoxalmente racionalizada; se finalmente forem politicamente enquadradas, transformam-se numa ideologia política.
O euroasianismo faz uso destas ideias aparentemente sedutoras e o resultado não é o que se poderia esperar de tão inocentes conceitos.
Vejamos agora onde nos conduzem, apenas no campo das ideias, os postulados Heideggarianos adotados por Dugin.
Crítica à Modernidade – Resulta na exaltação do tradicionalismo. Sabemos que Dugin “viajou” por ambientes ocultistas e pelo misticismo esotérico. Recusa, portanto, o materialismo ocidental que despreza, por entender que a tradição constitui parte insubstituível do ser humano. As sociedades ocidentais crescentemente materialistas e dependentes da técnica, produziriam assim homens incompletos e decadentes.
Critica ao Liberalismo – Do liberalismo resulta a liberdade individual, o que contraria o sentido de comunidade. As sociedades democráticas baseadas no respeito pela individualidade enfatizando algo tão básico como os direitos humanos, o princípio democrático ” Um homem – um voto” , e obviamente a iniciativa individual, são vistas como doenças contagiosas destruidoras da identidade e coesão das nações.
"A IDEIA"
Aqui chegados, compete-nos assinalar a ironia que resulta do facto de que a potência que desde o Século XIX mais se tem oposto à divisão colonial de Africa levada a cabo na conferência de Berlim em 1884/5 ser a mesma que admite aos seus teóricos este fantástico exercício de “corte e costura” abrangendo todo o planeta. Acresce que existem vários mapas, diferentes entre si em pormenores, mas que visam o mesmo resultado. Baralhar e dar de novo. Todavia será que se Imagina um processo semelhante a decorrer sem conflitos e sem resistência dos países a “proteger”?
Rejeição do racionalismo
Uma vez mais, Dugin vê o racionalismo ocidental, como o legado da era do Iluminismo, como um fator que desumaniza e fragmenta a sociedade. Para ele, o racionalismo promove uma visão mecanicista e materialista do mundo, reduzindo a complexidade da existência humana a cálculos e razões lógicas.
Esta perspetiva é vista por Dugin como algo que desvaloriza as tradições espirituais, culturais e religiosas que ele considera fundamentais para a verdadeira identidade e coesão de uma civilização.
Recusa da verdade universal
Na sua visão, a política e a geopolítica não podem ser separadas dos elementos espirituais e culturais. Ele acredita que o racionalismo promove uma visão unidimensional e tecnocrática da política, que ignora a importância dos mitos, da religião e das forças espirituais que, segundo ele, moldam a história e a geopolítica. A rejeição do racionalismo é, assim, uma rejeição da ideia de que a política pode ser puramente científica ou lógica.
As suas influências encontram-se em pensadores como Carl Schmitt, que argumentavam que a política é definida pela distinção entre amigo e inimigo, e (inevitavelmente) por Heidegger, que criticava a modernidade e a visão instrumental da verdade.
Essa base filosófica alimenta a sua recusa em aceitar uma verdade universal como um conceito legítimo, pois ele vê o mundo como constituído por uma variedade de realidades e interpretações, cada uma válida no seu próprio contexto.
E claro, porque para não variar, considera o conceito como uma forma de dominação ocidental sobre o mundo.
Veremos no próximo artigo como Dugin integra Heidegar e as suas próprias ideias numa ideologia que cauciona o neoimperialismo da Federação Russa.
O Euroasianismo é essa ideologia e será o tema do nosso segundo artigo desta série: “A mente”
"Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade." (Thomas Jefferson no preambulo à constituição americana.)
A critica ao liberalismo, nega precisamente o parágrafo anterior e o “sentido de comunidade”, desaguando num tipo de lógica que retira ao ser humano o papel central em favor do grupo cujo interesse comum exigiria a existência de um führer ou um déspota esclarecido ou não esclarecido.
Quando no referimos ao liberalismo, neste contexto, falamos obviamente do liberalismo político que não será de confundir com o outro liberalismo; teoria económica.
Defesa da multipolaridade - Alexander Dugin defende a multipolaridade como uma resposta à unipolaridade dominante, especialmente a influência dos Estados Unidos no cenário global. Para ele, a multipolaridade representa um sistema internacional em que várias potências coexistem, promovendo a diversidade cultural e política.
Mais uma vez o que tem em mente não corresponde ao idílico enunciado. O que se pretende é dividir o mundo em zonas de influência, criando a Rússia o seu próprio “quintal”. Dado o passado histórico dos “quintais” da Rússia, não é previsível que a sua constituição seja para "defender a justiça e proteger" os países mais pequenos.
Dugin, propõe uma visão de mundo multipolar que desafia a hegemonia ocidental, especialmente a influência dos Estados Unidos. Ele defende a ideia de que o mundo deve ser organizado em várias regiões autónomas, cada uma com sua própria identidade cultural e política.
Dugin sugere a divisão do mundo em zonas de influência que enumera da forma que se segue:
- Eurásia: Uma grande região que abrange a Rússia e os países vizinhos, sob uma perspetiva de resistência ao Ocidente.
- Mundo Islâmico: Uma aliança de países muçulmanos que poderiam formar uma frente contra-hegemónica ao Ocidente.
- África: Com suas diversas culturas e identidades, Dugin vê o continente como uma região com potencial para se opor ao modelo ocidental e (como o vem fazendo à décadas), expandir a influência da Rússia
- América Latina: Ele acredita que os países latino-americanos se podem unir resistindo ao imperialismo norte-americano.
- India e Ásia: A Índia e outras potências asiáticas devem também desempenhar um papel central nesse novo arranjo multipolar.
Imagem site geopolítica.ru. Publicamos uma das possibilidades de divisão do mundo em esferas de influência. Há mais. A criatividade russa não tem limites.
PARTICIPAR
democracia
ser contatado
email : causad24@gmail.com
© 2024. All rights reserved. Causa Democratica
Para cancelar subscrição envie um email para causad24@gmail.com
com a palavra cancelar
qr-code
Causa Democratica