Nos últimos anos, a ascensão da Inteligência Artificial (IA) revolucionou diversas áreas do conhecimento humano, incluindo a arte e a política. Estes domínios, aparentemente díspares, estão cada vez mais interligados, influenciando-se mutuamente, que vão desde a criação artística até à formulação de políticas públicas. Com a IA a ocupar um lugar central na sociedade moderna, é crucial examinarmos como estes três campos interagem, moldam o presente e, potencialmente, influenciam o futuro.

A IA como Ferramenta Criativa

A utilização de IA no campo da arte levanta questões profundas sobre o papel do humano no processo criativo. Em tempos, a arte era vista como o domínio exclusivo do talento e da inspiração humana. No entanto, os avanços em tecnologias como o Machine Learning e as redes neurais artificiais permitiram que algoritmos se envolvessem em processos criativos que antes pertenciam apenas a artistas humanos. Hoje, obras de arte, música e até literatura geradas por IA são comuns, algumas delas indistinguíveis das criações humanas.

Esta transição traz à tona uma questão filosófica: pode a IA realmente ser criativa ou está apenas a replicar padrões e tendências pré-existentes? De certo modo, a criatividade da IA é derivada de grandes quantidades de dados—imagens, sons e textos que processa e com os quais aprende a imitar a produção humana. Embora isso abra novas possibilidades, como a criação de obras que desafiam os limites do imaginário, também gera debates sobre a autenticidade e o valor da arte gerada por IA.

A Arte como Meio Político

Historicamente, a arte tem sido uma ferramenta poderosa de expressão política (ver Propaganda no regime Nazi https://causad.net/propaganda-no-regime-nazi). Desde murais e cartazes de movimentos sociais até à sátira política e ao cinema de protesto, a arte tem a capacidade de criticar regimes, galvanizar o público e desafiar o status quo. Com a entrada da IA neste panorama, o campo da arte política ganha uma nova dimensão. Artistas contemporâneos estão a utilizar IA para criar obras que exploram a vigilância do Estado, as desigualdades sociais e os preconceitos embutidos nos próprios algoritmos.

Um exemplo notável é o uso de IA para denunciar injustiças sistémicas. Algoritmos podem ser programados para destacar as disparidades no acesso à tecnologia ou as formas de vigilância massiva empregadas por governos autoritários. A arte generativa baseada em IA também permite aos artistas explorar temas como a privacidade e o controlo, numa era em que os dados pessoais se tornaram uma mercadoria valiosa.

Aqui surge uma pergunta crítica: a arte gerada por IA, que pode, em última instância, ser criada sem intervenção humana direta, pode verdadeiramente carregar a mesma carga emocional ou crítica social que uma obra concebida a partir da experiência humana?

Implicações Políticas da IA

A política da IA é outro tópico inevitável neste debate. À medida que a IA se infiltra na arte e em outras áreas, as implicações políticas desta tecnologia tornam-se mais claras. Por um lado, a IA pode ser utilizada para amplificar mensagens políticas e sociais, fornecendo novos meios para a criação e disseminação de ideias. Por outro lado, a automação e a IA têm o potencial de reforçar desigualdades e marginalizar certas vozes.

Nos sistemas políticos, a IA já está a ser utilizada para tomar decisões de grande impacto, desde sistemas de vigilância até a previsões económicas e políticas. No entanto, essas tecnologias trazem consigo um risco de viés algorítmico, ou seja, quando os algoritmos utilizados em processos decisórios reproduzem preconceitos. Os algoritmos são apenas tão "justos" quanto os dados que lhes são fornecidos, o que significa que as desigualdades e preconceitos sociais podem ser incorporados nos sistemas que dependem da IA. As consequências políticas disto são significativas: pode-se argumentar que a IA está a reforçar estruturas de poder já existentes em vez de democratizar a sociedade.

Por exemplo, sistemas de reconhecimento facial, muitas vezes integrados em infraestruturas de vigilância, têm mostrado taxas de erro mais elevadas em relação a minorias étnicas, levantando questões sobre racismo algorítmico. Este tipo de desenvolvimento tecnológico faz com que seja crucial implementar regulações éticas e políticas que garantam a transparência e responsabilidade no uso da IA, particularmente em contextos artísticos e criativos.

A Arte Gerada por IA e a Autoria das Obras

A arte criada com a ajuda da IA também desafia as fronteiras tradicionais da autoria e da propriedade intelectual. Quem detém os direitos de uma obra de arte gerada por um algoritmo? Será o programador que desenvolveu o código, a pessoa que deu os inputs ao sistema, ou o próprio algoritmo (se aceitarmos que a IA tem uma forma de "criatividade")?

Estes dilemas têm implicações tanto no domínio legal como político, pois a crescente produção de arte por IA pode perturbar os mercados tradicionais de arte e desafiar noções estabelecidas de propriedade e autoria. Mais importante ainda, pode alterar as dinâmicas de poder cultural, uma vez que grandes empresas tecnológicas detêm os algoritmos mais avançados, controlando assim, em grande parte, o potencial criativo e económico da arte baseada em IA.

Além disso, existe a preocupação de que a IA possa desvalorizar o papel do artista humano, ao tornar mais difícil para os artistas emergentes se destacarem num mercado saturado de obras geradas automaticamente. Esta desvalorização não se limita à arte, mas pode estender-se a outras indústrias criativas, incluindo música, cinema e literatura.

O Futuro: Entre a Colaboração e o Controlo

É evidente que a relação entre IA, arte e política não é simples. Embora a IA ofereça novos meios de expressão e inovação, também levanta sérias questões éticas e políticas que exigem atenção urgente. O futuro dependerá da forma como estas questões serão geridas. Será que a IA se tornará uma ferramenta de emancipação artística e democratização política, ou acabará por reforçar as hierarquias existentes e reduzir a criatividade humana a um mero complemento da automação?

O mais provável é que vejamos uma evolução constante e complexa, onde a colaboração entre humanos e máquinas se tornará cada vez mais intrínseca ao processo criativo. Esta colaboração poderá gerar obras de arte que nunca seriam possíveis sem a IA, abrindo novos horizontes de inovação. Contudo, o papel da política será crucial em garantir que essas tecnologias são usadas de forma justa e equitativa, para que a arte e a criatividade humana possam florescer em vez de serem subjugadas.

Este é um tema que certamente continuará a evoluir, à medida que a IA se torna mais integrada nas nossas vidas. E o leitor deste artigo, como vê o futuro da arte e política no contexto de uma sociedade moldada pela Inteligência Artificial? Deixe-nos a sua opinião nos comentários do artigo no facebook, pois o que pensa importa.

Inteligência Artificial, Arte e Política

Por Aharon Pereira

O concurso de arte da feira estatal do Colorado teve, este ano, uma escolha polémica. A obra “Théâtre D’opéra Spatial” foi a vencedora. A questão é que a obra foi concebida através de um programa de inteligência artificial chamado Midjourney, onde foi possível gerar uma imagem através de texto. O que pensa deste caso? Deixe também a sua opinião nos comentários do facebook.

“Théâtre D’opéra Spatial”