A guerra híbrida da Rússia

por: Simon Ben-David

A Guerra Híbrida da Rússia
A Nova Face do Conflito no Século XXI

A expressão “guerra híbrida” tem vindo a ganhar destaque no discurso político e estratégico internacional, especialmente desde o início das operações russas na Ucrânia em 2014. Este conceito descreve um tipo de conflito que combina métodos convencionais e não convencionais, misturando operações militares, cibernéticas, económicas e informacionais. A Rússia, sob a liderança de Vladimir Putin, tornou-se mestre nesta abordagem, usando-a para expandir a sua influência global e enfraquecer adversários sem necessidade de um confronto militar direto. Mas o que é exatamente a guerra híbrida e como Moscovo a implementa?

O Que é a Guerra Híbrida?

A guerra híbrida não é um conceito novo, mas a sua aplicação moderna, particularmente pela Rússia, trouxe novos níveis de sofisticação e eficácia. Essencialmente, trata-se de uma combinação de diferentes formas de guerra, onde métodos convencionais, como a presença militar, são complementados por ações assimétricas, tais como desinformação, ciberataques, sabotagem económica e apoio a grupos insurgentes ou paramilitares. O objetivo é enfraquecer o adversário, criar caos e promover os interesses estratégicos da Rússia, mantendo, sempre que possível, um grau de negação plausível.

As Ferramentas da Guerra Híbrida Russa

A estratégia híbrida da Rússia utiliza um conjunto diversificado de ferramentas e técnicas, ajustadas ao contexto de cada operação. Entre as mais notórias estão:

1. Desinformação e Propaganda

A manipulação da informação é uma das armas mais eficazes da guerra híbrida. A Rússia usa campanhas de desinformação para semear dúvidas, criar divisões e enfraquecer a confiança nas instituições democráticas dos países-alvo. Plataformas como Facebook, Twitter e YouTube tornaram-se campos de batalha onde trolls e bots espalham narrativas pró-Rússia ou simplesmente ampliam tensões sociais existentes.

A invasão da Ucrânia em 2014 foi acompanhada por uma campanha massiva de propaganda que negava a presença militar russa na região, descrevendo os separatistas pró-russos como meros “patriotas locais”. Ao mesmo tempo, Moscovo promoveu a ideia de que o governo ucraniano era dominado por nazis, justificando assim a sua intervenção.

2. Operações Cibernéticas

Os ataques cibernéticos são uma peça-chave da estratégia híbrida russa. Estes ataques têm como alvo infraestruturas críticas, sistemas governamentais e até processos eleitorais. A ofensiva cibernética contra a Estónia em 2007, que paralisou serviços públicos e privados durante semanas, é um dos primeiros exemplos modernos deste tipo de guerra.

Outros casos incluem o ataque à rede elétrica ucraniana em 2015 e 2016, que deixou centenas de milhares de pessoas sem eletricidade, e o malware NotPetya, que causou danos económicos significativos a empresas e governos em todo o mundo. O NotPetya destacou-se pela sua capacidade destrutiva e pelo impacto económico global que causou. Tornou-se um caso paradigmático no estudo de cibersegurança, revelando a vulnerabilidade das redes corporativas e a gravidade dos ataques cibernéticos com motivações políticas.

3. Forças Irregulares e Proxies

A Rússia utiliza grupos paramilitares e mercenários, como o infame Grupo Wagner e mais atualmente outros, para operar em áreas de conflito sem ligação oficial direta ao Kremlin. Estes grupos têm estado ativos na Ucrânia, Síria, Líbia e vários países africanos, muitas vezes servindo como ponta de lança dos interesses russos.

Ao apoiar proxies locais, como os separatistas do Donbass, a Rússia mantém uma presença efetiva no terreno enquanto nega qualquer envolvimento oficial, dificultando a resposta internacional.

4. Pressão Económica

A dependência de muitos países europeus do gás russo é uma ferramenta crucial na estratégia híbrida de Moscovo. A Rússia não hesita em usar o fornecimento de energia como uma arma, cortando ou reduzindo o gás para pressionar governos ou obter concessões políticas.

Este tipo de pressão económica tem sido particularmente evidente nas relações com a Ucrânia e países da Europa Oriental, mas também afeta a União Europeia no seu conjunto, evidenciando a vulnerabilidade energética do bloco.

5. Interferência Política

A Rússia apoia financeiramente e politicamente partidos populistas e de extrema-direita em vários países, como França, Itália e Hungria. Estes partidos frequentemente promovem narrativas anti-UE, anti-NATO e pró-Rússia, contribuindo para a fragmentação política e social.

O caso mais emblemático de interferência política russa foi a eleição presidencial dos EUA em 2016, onde campanhas de desinformação e roubo de dados visaram polarizar o eleitorado e minar a confiança no processo democrático.

Exemplos Práticos da Guerra Híbrida

1. A Ucrânia como Laboratório

A guerra híbrida russa na Ucrânia é, provavelmente, o exemplo mais claro desta estratégia. A anexação da Crimeia em 2014 combinou o uso de “homens verdes”, soldados russos sem insígnias, com uma campanha de desinformação que confundiu a comunidade internacional e retardou a reação global.

No leste da Ucrânia, Moscovo apoiou militarmente e logisticamente grupos separatistas, enquanto negava oficialmente qualquer envolvimento. Paralelamente, ciberataques e campanhas de propaganda foram usados para enfraquecer a capacidade de resposta de Kiev.

2. Os Balcãs e a Desestabilização da Europa

Nos Balcãs, a Rússia tem fomentado tensões étnicas e políticas, particularmente na Sérvia e na Bósnia-Herzegovina, para impedir a integração destes países na NATO e na União Europeia. Ao apoiar grupos pró-russos e promover narrativas divisórias, Moscovo procura manter a região num estado de instabilidade crónica.

3. Interferência em Eleições Ocidentais

Além dos EUA, a Rússia tem interferido em processos eleitorais em países europeus, como as eleições presidenciais francesas de 2017 e o referendo do Brexit em 2016. Em ambos os casos, a desinformação e a manipulação online visavam influenciar o resultado em favor de interesses russos.

Os Objetivos da Estratégia Híbrida

O principal objetivo da guerra híbrida da Rússia é alcançar vantagens estratégicas sem desencadear uma resposta militar direta por parte dos seus adversários, como a NATO. Ao operar abaixo do limiar de guerra convencional, Moscovo consegue enfraquecer os seus oponentes, expandir a sua esfera de influência e consolidar o seu poder interno e externo.

Desafios e Respostas

A guerra híbrida representa um desafio significativo para as democracias liberais, que muitas vezes se encontram despreparadas para responder de forma eficaz a ameaças tão difusas e multifacetadas. As soluções passam por reforçar a cibersegurança, combater a desinformação com maior rigor e coordenar respostas políticas e económicas a nível internacional.

Porém, responder à guerra híbrida sem comprometer os valores democráticos, como a liberdade de expressão e a privacidade, é uma tarefa complexa. A Rússia, por sua vez, continuará a explorar estas vulnerabilidades, aperfeiçoando a sua estratégia híbrida para moldar o equilíbrio de poder global em seu favor.

A guerra híbrida da Rússia é uma estratégia poderosa e eficaz, adaptada às realidades do século XXI. Combinando métodos convencionais e não convencionais, Moscovo tem sido capaz de projetar poder e enfraquecer os seus adversários sem recorrer a uma guerra aberta. Este novo tipo de conflito não mostra sinais de abrandamento, e os países democráticos enfrentam o desafio urgente de desenvolver mecanismos de defesa eficazes contra esta ameaça insidiosa.

A Rússia recentemente testou um novo míssil hipersónico chamado "Oreshnik", que gerou grande preocupação internacional devido às suas capacidades avançadas. Este míssil é uma versão experimental e representa um avanço significativo na tecnologia balística russa. Tem capacidade para transportar tanto ogivas convencionais quanto nucleares, com um alcance estimado de 5.500 km, colocando uma vasta área ao alcance de possíveis ataques​

O Oreshnik foi utilizado pela primeira vez durante o atual conflito na Ucrânia, atingindo alvos na cidade de Dnipro. O míssil, que pode ser equipado com múltiplas ogivas, destaca-se pela sua alta velocidade e capacidade de manobra, tornando-o difícil de ser intercetado pelos sistemas de defesa existentes. Este desenvolvimento marca uma escalada no conflito, especialmente após a autorização dos EUA para que a Ucrânia utilizasse mísseis de longo alcance contra o território russo​

Além de sua utilização no campo de batalha, o novo armamento serve como um sinal estratégico e político de Moscovo, mostrando a disposição da Rússia em continuar investindo em tecnologias de defesa avançadas para reforçar a sua posição geopolítica.

O novo míssil hipersónico russo "Oreshnik" insere-se no contexto mais amplo da guerra híbrida.

Relação entre o Oreshnik e a Guerra Híbrida

Para lá da utilização como arma no campo de batalha este míssil está a ser usado como importante argumento na guerra híbrida. Não temos informação militar suficiente sobre a valia estratégica da arma, o seu estádio de desenvolvimento nem sobre o arsenal que a Rússia possui. Nunca comentamos o que não é absolutamente seguro, como tantas vezes observamos na net.

Seguro é sua a projeção na guerra híbrida e o aproveitamento que a Rússia está a fazer do seu lançamento com os seguintes objetivos:

  1. Projeção de Poder e Intimidação: O desenvolvimento e uso do Oreshnik mostram como a Rússia usa tecnologia militar avançada para reforçar sua posição estratégica. Esta arma serve tanto para ameaçar inimigos quanto para dissuadir potenciais intervenções, alinhando-se com o conceito de guerra híbrida ao criar um ambiente de constante incerteza​

  2. Desinformação e Propaganda: A introdução de novas armas é frequentemente acompanhada de campanhas de desinformação. Informações sobre o míssil são divulgadas seletivamente, amplificando sua eficácia psicológica e estratégica. A Rússia utiliza esta abordagem para semear dúvidas entre os adversários e obter vantagens diplomáticas.

  3. Ciberataques e Infraestrutura Crítica: Em paralelo, a Rússia tem intensificado ciberataques contra infraestruturas críticas em países adversários. Esses ataques são uma extensão da guerra híbrida, complementando as ameaças físicas representadas por armas como o Oreshnik.

  4. Economia de Guerra: A guerra híbrida também engloba estratégias económicas, como sanções contra adversários e o uso do fornecimento de energia como arma. A introdução do Oreshnik aumenta os custos de defesa dos adversários, forçando-os a investir em sistemas de contramedidas.


Este cenário evidencia como a guerra moderna transcende o campo de batalha tradicional, explorando uma combinação de métodos que incluem tecnologia militar de ponta e operações encobertas.

O Míssil hipersónico "Oreshnik"

É altamente improvável que o novo míssil hipersónico russo "Oreshnik" tenha passado completamente despercebido pelos serviços secretos dos EUA, Reino Unido e outros. Existem várias argumentos que negam esta hipótese:

1. Capacidade de Vigilância Avançada

Os EUA e outros estados do Ocidente possuem sistemas sofisticados de inteligência, incluindo satélites de observação e drones, que monitorizam constantemente atividades militares em áreas sensíveis, como bases de testes e instalações de produção de armamento na Rússia. A preparação e o teste de um míssil deste calibre dificilmente ocorreriam sem deixar rasto. O inverso é igualmente verdadeiro: Os russos vigiam os EUA.

2. Rede de Espionagem e Informadores

Além da vigilância técnica, os EUA têm uma extensa rede de informadores e agentes infiltrados, bem como parcerias com serviços secretos de países aliados. Esta rede é crucial para obter informações sobre desenvolvimentos militares, especialmente em países como a Rússia, que são considerados ameaças estratégicas. Esta situação foi herdada da guerra fria e nunca foi desmantelada.

3. Declarações Oficiais

Relatos sugerem que os EUA foram informados sobre o lançamento do Oreshnik pouco antes do ataque, uma prática comum entre potências nucleares para evitar mal-entendidos que possam escalar para um conflito global​. No entanto, esta notificação não significa necessariamente que o míssil fosse completamente desconhecido.

4. Histórico de Identificação Prévia

Os serviços de inteligência frequentemente identificam armas em desenvolvimento antes mesmo de serem oficialmente anunciadas ou testadas publicamente. No caso do Oreshnik, os EUA já tinham conhecimento sobre o RS-26 Rubezh, no qual o novo míssil é baseado, o que indica que a existência de uma versão experimental seria previsível​.

Portanto, embora possam não ser conhecido todos os detalhes técnicos ou o momento exato do primeiro uso, é plausível que os serviços secretos americanos estivessem cientes do desenvolvimento deste novo armamento.

Os agentes Russos nas televisões portuguesas

Agentes russos que operam em Portugal, em televisões de grande impacto, e na net, afirmaram o contrário, ou seja a total ignorância do Ocidente sobre este míssil, o que parece ser mais uma manobra de guerra hibrida, para intimidar as pessoas, que assim ficarão mais disponíveis para aceitar a "paz podre", que a Rússia quer negociar. A Paz será mesmo muito podre e efémera, pois o estudo e a observação do que pensa Putin e do regime que governa, mostra que a Paz assim negociada sobre pressão, será apenas uma breve etapa, à qual se seguirão novos passos cada vez mais tenebrosos. É o que a história recente e passada nos demonstra.

O Míssil "Oreshnik" fora do conhecimento do Ocidente?