"China: O Dragão Autoritário”
por Simon Ben-David
★★★★★
Texto #5
O Estado de Vigilância na China
O Estado de Vigilância: A Ascensão do Autoritarismo Digital na China
Este será porventura um aspeto menos conhecido dos leitores. "Big Brother" (em português, literalmente "Irmão Mais Velho" ou coloquialmente "Grande Irmão"), é um personagem fictício no romance 1984 de George Orwell.
Na sociedade descrita por Orwell, todas as pessoas estão sob constante vigilância das autoridades. Nos últimos anos, a China tornou-se o epicentro de um dos mais abrangentes sistemas de vigilância estatal da história moderna. Com a ascensão das tecnologias digitais, o Partido Comunista Chinês (PCC) tem consolidado o seu controlo através de ferramentas sofisticadas, como o sistema de crédito social, a inteligência artificial (IA) e o reconhecimento facial. Este artigo explora como essas tecnologias estão a ser usadas para reforçar o autoritarismo, comparando este fenómeno com as táticas de controlo empregues por regimes históricos como o de Staline e do marxismo-leninismo.
O Sistema de Crédito Social: Um Instrumento de Conformidade
O sistema de crédito social chinês, implementado em várias regiões desde 2014, é um dos exemplos mais conhecidos de controlo digital. Funciona como uma avaliação comportamental, atribuindo "pontuações" aos cidadãos com base nas suas ações, sejam elas financeiras, sociais ou políticas. Aqueles que recebem uma pontuação alta beneficiam de privilégios, como acesso a serviços de saúde de qualidade ou empréstimos a baixas taxas de juro. Por outro lado, os que possuem uma pontuação baixa enfrentam severas restrições: podem ser impedidos de viajar, perder o acesso a certos serviços públicos ou até serem expostos publicamente, numa tentativa de humilhação social.
Este sistema visa incentivar a conformidade, não apenas com as leis, mas também com os valores e as expectativas do regime. A vigilância, através de câmaras equipadas com reconhecimento facial e monitorização online, garante que cada ação, por menor que seja, pode ser registada e penalizada. Isto é um salto tecnológico face ao controlo do pensamento e comportamento imposto no passado, onde o Partido dependia mais da vigilância física e dos informadores humanos.
O uso da IA e Reconhecimento Facial na Vigilância Estatal
A China é pioneira no desenvolvimento de tecnologias de IA aplicadas à vigilância. O uso de câmaras com reconhecimento facial e a análise de grandes volumes de dados permitem ao governo monitorizar a população em tempo real, com um grau de precisão sem precedentes. Estima-se que, até 2024, a China terá cerca de 560 milhões de câmaras de vigilância instaladas, o que dá origem ao apelidado "estado panótico".
Essas tecnologias são particularmente usadas em regiões sensíveis, como Xinjiang, onde o governo tem reprimido severamente a minoria Uigure. O reconhecimento facial e a análise de dados biométricos ajudam as autoridades a seguir cada movimento dos Uigures, detendo-os em campos de "reeducação" sob o pretexto de combater o extremismo. A vigilância pervasiva impede qualquer tentativa de organização política ou social dissidente, tornando o controlo do regime praticamente total.
Censura e Controlo da Informação nas Redes Sociais
A internet chinesa é um vasto terreno controlado pelo estado, através do que é popularmente chamado de "Grande Muralha Digital". O governo implementa um sofisticado sistema de censura, que bloqueia e filtra conteúdo indesejado, desde notícias internacionais até discussões políticas. Plataformas como Weibo e WeChat são cuidadosamente monitorizadas, e qualquer publicação considerada sensível é imediatamente removida.
Ao mesmo tempo, o Partido incentiva a propaganda digital, criando uma narrativa de estabilidade e prosperidade. Contas falsas ou controladas por bots promovem continuamente os ideais do Partido, enquanto desinformação é usada para minar qualquer oposição. Neste ambiente, a liberdade de expressão é inexistente, e o espaço para críticas ao governo ou organização de movimentos sociais é extremamente limitado.
Comparação com Staline e o Marxismo-Leninismo
Staline, no auge do seu poder, usou táticas de repressão brutal para manter o controlo do estado soviético. Através das purgas, onde eliminava rivais políticos, intelectuais e cidadãos considerados perigosos, Estaline consolidou o seu poder de forma violenta. Entre 1936 e 1938, as chamadas "grandes purgas" resultaram na execução ou prisão de centenas de milhares de soviéticos, sob o pretexto de conspirações contra o regime.
No entanto, o controlo de Staline dependia largamente do uso da força física e da eliminação daqueles que representavam uma ameaça ao seu governo. O medo era a principal ferramenta de submissão. Comparativamente, o Partido Comunista Chinês utiliza um controlo muito mais subtil e abrangente, recorrendo à tecnologia para monitorizar todos os aspetos da vida quotidiana. O estado chinês não precisa de realizar purgas em massa, como Staline, porque o uso da IA e da vigilância digital já permite identificar e reprimir qualquer dissidência antes de se transformar numa ameaça.
Esta transição do uso da violência direta para o uso da tecnologia é uma marca do autoritarismo moderno. Enquanto Staline dependia do terror para manter o poder, a China contemporânea depende de uma infraestrutura tecnológica que controla o comportamento social de forma muito mais eficiente.
Repressão de Minorias e Dissidentes
A repressão de minorias, como os Uigures, e de ativistas pró-democracia é uma constante no regime chinês. Em Xinjiang, milhões de Uigures foram enviados para campos de "reeducação", onde sofrem lavagem cerebral, são submetidos a trabalhos forçados e perdem a sua identidade cultural e religiosa. Esta repressão é facilitada pela vasta rede de vigilância digital, que permite ao estado identificar e isolar qualquer movimento considerado extremista ou separatista.
De igual forma, em Hong Kong, as manifestações pró-democracia de 2019 foram severamente reprimidas. A nova Lei de Segurança Nacional, imposta em 2020, permite ao governo deter qualquer pessoa suspeita de subversão ou conspiração contra o estado. Através do controlo digital e da censura nas redes sociais, o governo chinês consegue suprimir qualquer tentativa de organização política que desafie o poder do Partido.
As empresas tecnológicas que desenvolvem estes sistemas de vigilância, estão sediadas em Xinjiang, utilizando milhões de Uigures, como um laboratório ao vivo o que é uma violação intolerável dos direitos humanos deste povo. Sendo muçulmanos têm mesquitas que o governo chinês não fechou. A frequência destas mesquitas é contudo muito baixa. Quem entrar sabe ao que está sujeito.
Consequências para a Privacidade e Direitos Humanos
A ascensão deste estado de vigilância digital tem consequências profundas para a privacidade e os direitos humanos. A noção de liberdade individual está gravemente comprometida num ambiente onde cada ação, cada palavra e até mesmo cada expressão facial pode ser registada e analisada pelo governo. O controlo absoluto do Partido sobre a informação e o comportamento social cria um ambiente onde o indivíduo perde a sua autonomia.
Além disso, a crescente dependência de tecnologia para vigiar e controlar a população não só normaliza a ausência de privacidade, mas também coloca em risco as liberdades civis em nome da segurança nacional. À medida que outras nações observam e, potencialmente, adotam alguns desses métodos, há um risco de este modelo autoritário se expandir globalmente.
Uma inovação Tecnologia como Ferramenta de Autoritarismo
Ao contrário das previsões mais otimistas, que viam a era digital como uma força de libertação, a China demonstrou como a tecnologia pode ser usada para reforçar o autoritarismo. O sistema de crédito social, o reconhecimento facial e a censura nas redes sociais tornaram-se ferramentas poderosas de controlo, permitindo ao Partido Comunista Chinês manter um poder quase absoluto sobre os seus cidadãos.
Comparado com o regime de Staline, que dependia da violência e das purgas, o controlo chinês é mais silencioso, mas não menos eficaz. A vigilância digital oferece ao estado um nível de controlo que regimes anteriores só podiam sonhar. Assim, o "estado de vigilância" chinês representa uma nova fase no autoritarismo, onde a tecnologia não liberta, mas aprisiona.
O Sinistro Sistema de Crédito Social
Para finalizar vamos dar maior atenção a esta inovação sinistra de controlo das populações, pois constitui na realidade uma “inovação” que outros ditadores sonham em implementar, e que permite ao PCC apresentar-se como mais moderado em relação a anteriores ditaduras do mesmo tipo.
O sistema de crédito social na China é uma iniciativa governamental que visa monitorizar, avaliar e influenciar o comportamento dos cidadãos e das empresas através de um sistema de pontuação. Foi introduzido pelo governo chinês como uma forma de promover a confiança, a conformidade com as leis e regulamentos e o comportamento "moralmente correto", segundo os critérios definidos pelo Partido Comunista Chinês (PCC). O sistema começou a ser testado em várias cidades e setores desde 2014, e o objetivo final é a sua implementação em todo o país.
Como Funciona o Sistema de Crédito Social
O sistema funciona atribuindo uma pontuação de "crédito social" a indivíduos e empresas, com base nas suas ações e comportamentos em diversas áreas da vida. As pontuações podem ser influenciadas por fatores como:
Comportamento Financeiro: O pagamento pontual de dívidas, empréstimos e contas pode aumentar a pontuação, enquanto o incumprimento ou fraudes financeiras pode reduzi-la.
Comportamento Cívico: Ações como o respeito pelas leis de trânsito, não fumar em áreas proibidas e a adesão às regras de conduta em espaços públicos são fatores que podem melhorar a pontuação.
Comportamento Online: Publicações ou interações em redes sociais que vão contra os valores ou normas do governo, críticas ao Partido Comunista ou divulgação de "notícias falsas" podem resultar em penalizações.
Atividades Políticas: Participação em protestos ou envolvimento com atividades consideradas subversivas pelo estado também pode afetar negativamente a pontuação.
Recompensas e Penalizações
O sistema de crédito social recompensa os cidadãos que têm uma pontuação alta e penaliza aqueles com pontuações baixas, criando incentivos para a conformidade com as normas do governo. Alguns exemplos de recompensas para aqueles com boa pontuação incluem:
Acesso facilitado a empréstimos bancários com melhores taxas de juro.
Prioridade no acesso a serviços públicos, como cuidados de saúde ou educação.
Maior facilidade na compra de bilhetes de transporte, como voos ou comboios de alta velocidade.
Maior possibilidade de conseguir empregos no setor público ou privado.
Por outro lado, os castigos para quem tem uma pontuação baixa podem incluir:
Restrições de Viagem: Cidadãos com pontuações baixas podem ser impedidos de comprar bilhetes de avião ou comboios de longa distância.
Acesso Limitado a Serviços: Quem possui um crédito social baixo pode ter dificuldades em obter empréstimos, alugar casa ou aceder a serviços públicos.
Humilhação Pública: Algumas cidades têm publicado as listas de cidadãos com baixo crédito social, expondo-os ao ridículo e pressão social.
Impacto na Carreira: Empresas ou indivíduos com pontuações baixas podem ser excluídos de oportunidades de negócios, parcerias ou licitações públicas.
Monitorização e Vigilância
Para implementar este sistema, o governo chinês utiliza uma vasta infraestrutura de vigilância que combina tecnologias como:
Câmaras de vigilância com reconhecimento facial: Estas câmaras estão instaladas em todo o país e são capazes de identificar e rastrear indivíduos, cruzando dados com informações pessoais.
Análise de grandes volumes de dados (big data): As autoridades analisam as atividades financeiras, comportamentais e digitais de cada cidadão, recolhendo informação de diversas fontes como redes sociais, sistemas de transporte, plataformas de e-commerce e bancos.
Integração com empresas privadas: Algumas empresas, como as grandes plataformas de comércio eletrónico (por exemplo, Alibaba), cooperam com o governo, partilhando dados dos seus utilizadores.
Objetivos do Sistema de Crédito Social
O governo chinês defende que o sistema de crédito social visa promover a confiança e a responsabilidade entre os cidadãos e as empresas, garantindo que as pessoas cumpram as suas obrigações legais e morais. No entanto, críticos argumentam que o verdadeiro objetivo é reforçar o controlo social e político, sufocando a dissidência e a liberdade individual.
Este sistema pode ser visto como uma forma moderna de vigilância social, em que a tecnologia é usada para monitorizar e moldar o comportamento da população, promovendo a conformidade com as diretrizes do governo e limitando a autonomia individual.
Impacto e Críticas
A nível interno, o sistema é visto por muitos como uma forma eficaz de reforçar a ordem social, premiando o comportamento correto e punindo os "infratores". Contudo, a nível internacional, o sistema de crédito social tem sido amplamente criticado por organizações de direitos humanos e países ocidentais, que o veem como uma ferramenta de repressão e controlo que limita a liberdade de expressão, a privacidade e os direitos individuais.
O sistema de crédito social chinês representa, portanto, um exemplo de como a tecnologia pode ser usada para reforçar o autoritarismo, consolidando o poder do Estado sobre a vida dos cidadãos e empresas.
E o leitor gostava de viver num país sujeito a um sistema deste tipo ? Sabia que o Big Brother uma ficção de George Orwell, já está implementado na China em larga escala ? Deixe-nos o seu comentário, se assim o entender.
Não ficaremos por aqui, a série sobre a China vai continuar.
Siga-nos nos próximos textos.
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