Corrupção – A estratégia da Difamação

Por Aharon Pereira

A corrupção é um obstáculo significativo ao desenvolvimento sustentável e ao bem-estar das sociedades. Nunca é demais relembrar os malefícios deste fenómeno. Ainda que fosse um euro que se perdia para a corrupção seria mau. Ouvimos os mais diversos valores quanto à estimativa do valor do seu custo para Portugal. Vamos tentar fazer essa estimativa através de método comprovado e que faça sentido ,fundamentado em estudos e não em opiniões de manipulação política.

A Comissão Europeia estima que a corrupção custa aos países da UE cerca de 120 bilhões de euros anualmente, um valor que representa quase 1% do PIB da EU. Aplicando este critério a Portugal chegamos para 2022 a 1/100*249,900 000 000 o que dá o valor astronómico de 2 499 000 000 cerca de 2,5 mil milhões de euros.

Mais do que estimar este valor com rigor que é uma tarefa complexa, talvez impossível, devido à natureza clandestina da corrupção e às variáveis envolvidas interessa-nos investigar se em Portugal a corrupção é maior, menor ou diferente dos seus parceiros da EU. Do ponto de vista político a direita e sobretudo a extrema-direita, diz-nos que a corrupção é o alfa e o ómega da política portuguesa. Tudo é corrupção, tudo passa pela corrupção, e é mesmo o grande problema da República. A esquerda nada nos diz. Nem que sim nem que não, o que não deixa de ser estranho, pois independentemente dos atores protagonistas das ações de corrupção, alguns em julgamentos, que parecem não ter fim, devia a esquerda ser assertiva e conclusiva relativamente a esta questão.

Neste artigo partimos com uma folha em branco, e com a premissa e a garantia que lá inscrevermos o que analisarmos, tentando tal como fizemos para a estimativa do valor da corrupção, adotar critérios objetivos. Não será o que nos parece, mas o que encontrarmos.

Perceção Pública

A perceção pública sobre a corrupção em Portugal é frequentemente medida por pesquisas e índices internacionais. Por exemplo, o Índice de perceção da Corrupção da Transparência Internacional que classifica os países com base na perceção de corrupção no setor público. É o único critério objetivo que dispomos. A seguinte tabela mostra o Índice de Perceção da Corrupção (CPI) de 2022 para vários países europeus, de acordo com a Transparência Internacional. A pontuação varia de 0 altamente corrupto) a 100 (sem corrupção).

Analise dos Dados. Conclusão #1

Passamos às conclusões que se retiram da posição de Portugal na tabela da CPI, que se situa numa posição intermedia em termos de perceção de corrupção quando comparado com outros países europeus. Enquanto os países nórdicos e a Alemanha são exemplos de baixos níveis de corrupção, países como Espanha, Itália e Grécia enfrentam desafios mais pronunciados.

  • Portugal: Com uma pontuação de 62, está na posição 33 globalmente. Isto coloca-o numa posição intermédia, sugerindo que embora a corrupção seja uma preocupação, não é tão prevalente como em alguns outros países europeus, como Polónia, Hungria, Roménia e Bulgária, que estão entre os que têm as pontuações mais baixas na Europa, refletindo perceções mais elevadas de corrupção.

Conclusão #1 A narrativa da Extrema-direita que permanentemente passa a ideia de que Portugal é um país onde a corrupção grassa, e que é dos mais corruptos da Europa, não tem fundamento objetivo. É falsa. A indiferença da esquerda, a esta propaganda da extrema-direita, é um enorme erro político. À frente daremos uma explicação para este facto.

O Dr. Corrupção num dos seus cartazes.

Difamar …Difamar …Difamar.

André Ventura e a extrema-direita em Portugal, utilizam a corrupção como principal argumento contra todos os adversários políticos e contra o Presidente da República, por razões estratégicas e retóricas.

Razões Estratégicas

  1. Descontentamento Popular: A corrupção nunca é aceitável e é sempre um problema em Portugal ou em qualquer outro país. Muita ou pouca é sempre um mal. Muitos cidadãos sentem-se frustrados e desiludidos com os escândalos recorrentes envolvendo políticos e figuras públicas. Ao centrar o discurso na corrupção, Ventura e o Chega, apelam a este descontentamento generalizado, apresentando-se como uma alternativa "limpa" e "moralmente superior".

  2. Demonização dos Adversários: Acusar permanentemente os outros partidos de corrupção, permite criar uma narrativa em que todos os outros políticos são corruptos, enquanto Ventura e o Chega se posicionam como os únicos defensores da integridade e da transparência. Isto simplifica a complexidade política do problema para o eleitorado, criando um "nós contra eles" fácil de entender. É a “arte” de tornar um fenómeno sério, complexo e profundo e dificílimo de combater em algo simples que pretensamente todos entendem.

  3. Capitalização Política: A corrupção é um tema que transcende as ideologias políticas, sendo capaz de atrair eleitores de diferentes espectros políticos. Ventura e o Chega usam este argumento para ampliar a sua base de apoio, apelando não apenas aos conservadores, mas também a qualquer cidadão frustrado com o estado atual da política.

Razões Retóricas

  1. Simplicidade e Clareza: Focar-se na corrupção permite uma mensagem clara e direta, que é facilmente comunicável e compreensível. Mensagens simples interagem mais com o público geral, especialmente em campanhas eleitorais.

  2. Emoção e Indignação: A corrupção é um tema que provoca indignação e revolta. Ventura e a extrema-direita exploram estas emoções para mobilizar o seu eleitorado, criando um sentimento de urgência e necessidade de mudança radical.

  3. Focalização em Casos Específicos: Ventura tem usado casos específicos de corrupção, como a Operação Marquês, para exemplificar os seus argumentos, tornando a sua mensagem mais concreta e impactante. Ao apontar para exemplos, ele reforça a perceção de que a corrupção é omnipresente e que os outros partidos não são confiáveis. São todos corruptos.

Contexto Político

No contexto político português, a corrupção tem sido um tema recorrente nas últimas décadas, com vários escândalos envolvendo partidos do espectro do poder, como o Partido Socialista (PS) e o Partido Social Democrata (PSD). Esta realidade facilita a narrativa de Ventura, que utiliza estes escândalos para argumentar que o sistema inteiro está podre, corrompido e precisa de uma reforma radical.

A Estratégia de Difamação

Acusar os adversários de corrupção também serve como uma estratégia, desviando a atenção das possíveis críticas ao próprio Chega e às suas políticas. Ventura e o seu partido utilizam estas acusações para colocar os adversários na defensiva, obrigando-os a gastar tempo e recursos a responder a estas acusações em vez de promoverem as suas próprias agendas.

Conclusão #2 André Ventura e a extrema-direita em Portugal utilizam a corrupção como argumento central até à saciedade, porque é um tema que impacta fortemente com o eleitorado, permite simplificar a mensagem política, provoca emoções fortes e desvia a atenção às críticas ao próprio Chega. Esta estratégia tem-se revelado eficaz na consolidação a sua posição no panorama político português, e só tem tido sucesso, por incapacidade e adormecimento dos partidos que Ventura acusa, principalmente o PS e o PSD. A corrupção está sempre associada ao Poder. Acontece que o Chega nunca ocupou cargos no aparelho de Estado. Esta posição é extremamente confortável. Não se pode acusar o Chega. Os partidos do arco do poder, parecem ficar cativos da situação inversa, ou seja, como no passado tiveram casos de corrupção nas suas fileiras, com militantes seus envolvidos diretamente, alguns acusados, outros com penas efetivas aplicadas, que cumpriram ou cumprem, acham que a melhor estratégia é o silêncio. Errado! Deviam ser em todas as situações, os primeiros denunciantes e a estar na linha da frente da anticorrupção. Se é certo que têm produzido muita legislação para o combate a este flagelo, a verdade é que se ficam por aí, dando ao Chega palco para dizer que são os únicos que se preocupam com o combate, o que é falso.

Julgar Sócrates para quê? A justiça somos nós. Condenado!

Chega é corrupto?

Seguindo o critério de objetividade que aplicamos anteriormente a resposta é muito simples: não sabemos. O partido é de criação recente e não exerceu cargos no aparelho de Estado com relevância suficiente, para se manifestarem ou não, casos de corrupção ligados ao Chega. O que o Chega e o Ventura dizem é são santos e imunes à corrupção. Mas isto todos dizem, mesmo os corruptos já julgados, e não serve para tirarmos qualquer conclusão. Assim, o que faremos é verificar o que se passou com os partidos “irmãos” do Chega, que exercem o poder noutros países, nomeadamente na Hungria sob o governo de Viktor Orbán e em Itália com Giorgia Meloni. É claro que não podemos extrapolar conclusões para Portugal, mas sabemos que toda a extrema-direita está unida em duas organizações supranacionais, (ler: Chega o franchisado). O partido Chega, está associado à organização supranacional de extrema-direita denominada "Identidade e Democracia" (ID).

A Hungria de Viktor Orbán

A corrupção na Hungria sob o governo de Viktor Orbán tem sido um tema de grande preocupação tanto internamente quanto para as instituições europeias. A administração de Orbán, no poder desde 2010, tem sido acusada de práticas corruptas, nepotismo e de minar as instituições democráticas.

Principais Questões de Corrupção na Hungria

  1. Uso de Fundos da UE: A Hungria tem sido criticada pela sua gestão de fundos da União Europeia. A Comissão Europeia e o Parlamento Europeu identificaram fraudes e irregularidades significativas no uso desses fundos. Há alegações de que empresas ligadas a políticos do partido Fidesz, de Orbán, são frequentemente beneficiadas em contratos públicos.

  2. Nepotismo e Favoritismo: Orbán tem sido acusado de favorecer amigos, familiares e aliados políticos. Um caso notório envolve Lőrinc Mészáros, um amigo de Orbán, que se tornou um dos homens mais ricos da Hungria, supostamente através de contratos públicos favorecidos e apoio governamental.

  3. Mudanças Legislativas e Institucionais: O governo de Orbán foi acusado de modificar leis e estruturas institucionais para consolidar o poder e limitar a independência do poder judiciário, dos meios de comunicação e de outras instituições de fiscalização. Tais mudanças dificultam a detecção e punição da corrupção.

Impactos e Consequências

  1. Perceção Pública e Índices de Corrupção: A Hungria tem caído consistentemente nos índices de perceção de corrupção. Em 2022, o país obteve uma pontuação de 42 no Índice de Perceção da Corrupção da Transparência Internacional, ocupando a 77ª posição globalmente, uma das mais baixas da União Europeia.

  2. Reações da União Europeia: A UE tem implementado mecanismos de supervisão e, em alguns casos, bloqueado ou condicionado a liberação de fundos para a Hungria devido a preocupações com a corrupção e o estado de direito. Em 2021, a Comissão Europeia iniciou um procedimento sob o mecanismo de condicionalidade do Estado de Direito, que pode resultar na suspensão de fundos da UE para a Hungria.

  3. Impacto Económico e Social: A corrupção endémica e o nepotismo afetam negativamente o ambiente de negócios na Hungria, desincentivando o investimento estrangeiro e prejudicando a competitividade. Além disso, a confiança pública nas instituições está severamente abalada, levando a uma maior desilusão e apatia política entre os cidadãos húngaros.

A itália de Giorgia Meloni

Desde que Giorgia Meloni assumiu o cargo de primeira-ministra da Itália em outubro de 2022, a questão da corrupção tem sido uma preocupação constante. A sua administração implementou várias medidas que podem afetar a perceção quanto a realidade da corrupção no país. Um dos momentos marcantes foi a prisão de Matteo Messina Denaro, um dos chefes mais procurados da máfia italiana. Meloni celebrou a captura como uma grande vitória para o Estado, destacando o compromisso do seu governo com o combate ao crime organizado, problema endémico da Itália desde sempre.

No entanto, as críticas ao governo Meloni apontam para a implementação de novas leis que podem enfraquecer o combate à corrupção. Por exemplo, mudanças na legislação relacionadas ao abuso de poder público e ao tráfico de influências podem reduzir a eficácia na deteção e investigação de fraudes e corrupção. Além disso, as propostas de alteração do prazo de prescrição para certos crimes criminais poderiam dificultar a condução de processos judiciais relacionados com a corrupção. Os relatórios europeus também indicam preocupações com a independência dos meios de comunicação e do sistema judiciário em Itália sob o governo Meloni, fatores que são cruciais para um combate efetivo à corrupção.

Conclusão #3

A corrupção não é um fenómeno associado a qualquer ideologia, nem à esquerda nem à direita. Está sempre associado ao exercício do poder.

Nada indica que a extrema-direita no poder seja garantia da irradicação da corrupção. Pelo contrário, no caso de Orbán , o governo afirmou-se como o centro das atividades corruptas, sendo atualmente grande preocupação na UE. A Polónia pediu recentemente o afastamento da Hungria da UE, por diversas razões entre as quais a corrupção.

Só através duma democracia forte, a corrupção diminui através da implementação das seguintes medidas, muitas das quais já realizadas em Portugal:

1. Fortalecimento das Instituições Democráticas

2. Transparência e Acesso à Informação

3. Reforma e Simplificação dos Procedimentos Burocráticos

4. Educação e Consciencialização

5. Leis e Penalidades Rigorosas

6. Participação da Sociedade Civil

7. Ambiente Económico e Social Justo com as Decisões controláveis

8. Cooperação Internacional

9. Proteção a Denunciantes

Não há ideologias ou políticas “puras”, sem corrupção. Não existem partidos “puros”, como alguns candidatos a ditadores apregoam em Portugal.

Pelo contrário, qualquer ditadura de qualquer tipo é sempre, (não se conhecem exceções), mais propensa a instalar um sistema com uma forte corrupção, do que numa democracia avançada.

Fica a pergunta: Como é que o Chega que se apresenta como o paladino da luta contra a corrupção em Portugal, se junta a Viktor Orbán o dirigente mais corrupto do país mais corrupto da Europa? Viktor Orbán esteve em Lisboa em novembro de 2021, onde se reuniu com André Ventura, que o considera um exemplo.

Ventura e Orbán amigos no futebol e na política