Tirania e Ambição - Trinta anos de Vladimir Putin

Por Firminiano Maia

Hoje, no ano de 2024, a Federação Russa é internamente uma ditadura e na ordem externa uma potência imperialista agressiva que tenta expandir-se e alterar a atual ordem mundial a seu favor. A 26 de dezembro de 1991, o Soviete Supremo, como resultado da declaração nº 142-H declara dissolvida a União Soviética, reconhece a independência das antigas repúblicas soviéticas e cria a Comunidade de Estados Independentes. A 12 de dezembro de 1993, após referendada, é adotada a Constituição da Federação Russa que entrou em vigor a 25 do mesmo mês. Embora sujeita a várias alterações posteriores, é ainda essa a lei que estrutura atualmente a Federação Russa, sucessora da Comunidade de Estados Independentes. São no entanto, os acontecimentos de 9 de novembro de 1989, que marcam o fim simbólico do império do Kremlin e da “guerra fria” e o início da derrocada. Referimo-nos à queda do muro de Berlim.

Nesse dia de novembro de 1989, um jovem Tenente-coronel do KGB, de seu nome Vladimir Vladimirovich Putin, sediado em Dresden juntamente com a STASI (1), assistiu, supomos que consternado, ao início do fim do regime que servia. Do “seu” regime. O desmoronamento do império causou profunda impressão no jovem espião, reconhecendo ele próprio o trauma que os acontecimentos lhe causaram ao classificar a dissolução da União Soviética como “uma enorme catástrofe geopolítica”. Desde então, ao longo do seu percurso de operacional do KGB até à presidência da Federação russa, Putin tem vindo incessantemente a tentar corrigir o que, no seu entender, foi “um erro da História” .Em 1994, Putin abandona o KGB e ocupa o seu primeiro cargo político como Vice-prefeito de S. Petersburgo.

Posteriormente a esta data, a História da Rússia e o percurso de Vladimir Vladimirovich Putin, tornam-se indissociáveis, de tal modo que Putin é hoje e para todos os efeitos práticos… o próprio regime. Seguiremos pois o percurso do homem ao longo das diversas fases que a política de Moscovo atravessou, desde a incipiente tentativa democrática protagonizada pelo seu primeiro presidente Boris Yeltsin até à atual ditadura de Putin. Tentaremos referir as alterações legais efetuadas a fim de assegurar a sua permanência no poder, as guerras em que se envolveu como consolidou o seu poder e como, paulatinamente, construiu uma ditadura de base oligárquica. A seu favor jogará o facto da especificidade do país aparentemente não consentir senão breves fogachos democráticos. A seguir a 1917, as primeiras vítimas do regime soviético foram, paradoxalmente… os sovietes. Nos sovietes, assembleias populares, praticava-se a mais pura forma de democracia direta.

Na História recente a tentativa de democratização de Boris Yeltsin apenas durou até ao ano 2000, quando Putin foi nomeado para Vice-presidente de Yeltsin. A pergunta que coloco aos leitores e o tema de reflexão que proponho e ao qual não sei responder é a que se segue:
Poderá o maior país do mundo em extensão, que integra várias nações, grupos étnicos e religiosos, múltiplas tradições, zonas de modernidade e outras quase medievais, que nunca conheceu (2) senão a ditadura medieval dos boiardos, o Czarismo e a ditadura da URSS, poderá um país assim providenciar um ecossistema político favorável ao desenvolvimento de uma democracia? Gostaria de acreditar que sim, mas na verdade não sei.
Deixo pois o tema para vossa reflexão.

1. O percurso de Vladimir Putin

Qual foi o percurso político de Putin?
Anteriormente a 1994, foi Major e depois Tenente-Coronel do KGB, sendo de mencionar a sua colocação na RDA, como oficial de contrainformação e oficial de inteligência estrangeira (3), após o que optou pela atividade política. Assim:

De 1994 a 1996 – Foi Vice-prefeito da cidade de S. Petersburgo
de 1998 a 1999 – Diretor do Serviço Federal de Segurança FSB, sucessor do KGB
de 1999 a 2000 – Primeiro ministro sob Boris Yeltsin
de 2000 a 2004 – 1º mandato como Presidente da Federação Russa
de 2004 a 2008 – 2º mandato como Presidente da Federação Russa (reeleito)
de 2008 a 2012 – Primeiro ministro. Devido a limitação constitucional de mandatos, trocou com Medvedev que ocupou a presidência enquanto Putin se fez de novo Primeiro ministro
de 2012 à 2018 – 3º mandato como Presidente da Federação Russa, após alteração constitucional este já de 6 e não de 4 anos
de 2018 à atualidade – 4º Mandato. Após alterações constitucionais regressa à Presidência da Federação Russa tendo assegurado já a sua permanência até 2036 ao eliminar limitação de mandatos

Putin tem agora 71 anos, se sobreviver até 2036, terá então 83 anos de idade e terá cumprido desde a sua primeira indigitação para Primeiro Ministro, 36 anos de poder, ultrapassando José Stalin que se manteve “apenas” 30 anos no Poder.

2. Uma ditadura construída passo a passo

Como foi possível a Putin governar a Rússia e estar tanto tempo no poder, ao mesmo tempo que consolidava e expandia o seu poder pessoal ao ponto de controlar totalmente o país e pôr em causa a ordem mundial?
Tanto quanto nos é dado crer, recorrendo a todos os meios que tinha à mão, aproveitando as ocasiões que se lhe depararam, sustentando o regime que ia construindo, numa ideologia de conquista e enaltecimento da identidade russa, o euro-asianismo (4). Elenquemos alguns desses fatores:

2.1 - A Guerra – Ainda como Primeiro ministro de Yeltsin, Putin começou a tornar-se popular com a guerra da Chechénia.

2.1.1 - Chechénia – de agosto de 1999 a abril de 2009, dezenas de milhares de baixas civis e arraso total das estruturas básicas civis da nação.Na Chechénia, ficou patente o padrão das futuras intervenções militares da Rússia. Bombardeamentos indiscriminados, chacina de populações civis, deportações em massa e milhares de vítimas militares e civis.
2.1.2 - Geórgia – 2008, a Geórgia tenta ocupar a Ossétia do Sul, enclave separatista russo no seu território.
A intervenção resultou em centenas de mortes e o reconhecimento pela Rússia da Independência da Ossétia do Sul e da Abcásia (5). A Rússia mantém contingentes militares nestas repúblicas.
2.1.3 - Síria – Desde 2015 – A Rússia apoia o regime de Bashar Al-Assad contra forças oposicionistas internas. A estratégia de arraso total usada na Chechénia é repetida e afinada, resultando em centenas de milhares de mortos e na costumeira destruição total. A intervenção russa gerou uma crise enorme humanitária e cerca de 13,5 milhões de pessoas foram forçadas a abandonar as suas terras e bens tornando-se refugiados. Estima-se que mais de 63.000 soldados russos já passaram pela Síria.
2.1.4 - Ucrânia desde 2014 até hoje, a Rússia fustiga a Ucrânia com várias iniciativas militares ou desestabilizadoras. Donbass e Lugansk – A Rússia arma e instiga separatistas russófilos das províncias referidas. Desde 2014 até à data prossegue a luta, tendo a sua independência sido reconhecida por Moscovo.
Crimeia – Ocupada em 2014 sob o mesmíssimo pretexto, após declaração de independência de separatistas apoiados e armados por Moscovo (6).

Operação militar “especial” – Desde fevereiro de 2022. Invasão da Ucrânia e início da guerra ainda em curso.
“A primeira vítima da guerra é a verdade”. A frase, atribuída a Ésquilo, ilustra na perfeição a situação na Ucrânia. Quase toda a informação que recebemos é propaganda de um lado ou do outro. Apesar disso sabe-se que o padrão das anteriores guerras russas se mantém pelo que dada a duração do conflito e a sua intensidade é lícito supor que existem novamente centenas de milhares de vítimas, milhões de refugiados e destruição do país à semelhança do que se passou na Chechénia e na Síria.

Em conclusão, percebe-se que desde que Putin ascendeu ao Poder em 1999, a Rússia viveu em permanente estado de Guerra, com raras exceções. Ora, o estado de guerra permite aos ditadores a criação de um ambiente propício ao reforço e alargamento dos seus poderes.
O discurso “se não és por nós és contra nós”, as acusações de antipatriotismo ou mesmo de traição, coladas a qualquer opinião dissonante, bem como a proclamada necessidade de “legislação especial”, torna-se discurso recorrente, e coloca o líder no pedestal de “Defensor da Nação”, estatuto difícil de contrariar.

2.2 - O controlo das polícias

Putin conhece por dentro e em pormenor o funcionamento das polícias secretas, por ter ele próprio sido agente e as ter dirigido em 1998/1999.Neste campo, foram cultivadas vastas cumplicidades entre Putin e muitos dos seus ex-subordinados do FSB aos quais, de resto, foram atribuídos privilégios alargados.
O FSB está presente em todos os níveis da sociedade, facto que confere a quem o controla, extraordinário poder. Putin saberá por esta via tudo o que se passa na esfera militar, política e no mundo dos negócios e nos media, já para não mencionar na sua moribunda oposição. Pode assim prever dissidências, limitar a ação de concorrentes eventuais e eliminar adversários ou ameaças em qualquer ponto do globo e, claro está, dentro das suas fronteiras.

2.3 - Os Oligarcas. Criação da base de apoio económico e financeiro do regime.

Ainda durante a presidência de Yeltsin, foi ensaiada a transição de uma economia estatal planificada para uma economia de mercado.
Foi portanto implementada uma política de privatizações. O património empresarial do estado foi entregue a privados, antigos quadros do PCUS, KGB, gestores públicos e outros por preços ridiculamente baixos ou pela entrega de ativos a privados por contrapartida de empréstimos ao estado que este não pôde ou não quis pagar.
Essas privatizações, particularmente no sector energético e da indústria pesada, foram parar às mãos de amigos políticos. Os agora ditos Oligarcas, surgem deste processo, rodeado de corrupção e semissecretismo. Obviamente que as dádivas do estado a estes homens, conscientes de que a ele devem a sua boa fortuna, os transforma em apoiantes. Eles vão constituir a base económica e financeira do regime e um dos seus sustentáculos.
A imensa riqueza destes homens, levaram alguns a pensar que eram poderosos e intocáveis.

Putin rapidamente se encarregou de lhes demonstrar onde residia o verdadeiro poder. Procedeu a uma depuração impiedosa, usando o FSB e os tribunais. Os que escaparam transformaram-se em gratos e empenhados suportes do governo de Putin.
De repente, alguns oligarcas foram alvo de processos por corrupção e/ou lavagem de dinheiro e/ou fraude fiscal e despojados do seu poder. Irónico porque esse poder tinha-lhes sido outorgado pelo estado russo precisamente de forma corrompida e fraudulenta e todos eram corruptos e fraudulentos, nem valendo a pena falar da relação pouco saudável da maioria em relação à fiscalidade. Putin escolhe pois entre oficiais do mesmo ofício, quais os corruptos aceitáveis e os descartáveis.

As “mortes acidentais” multiplicaram-se e embora os acidentes pudessem ser de diferente natureza, o facto é que as varandas e janelas de edifícios altos de repente se tornaram muito perigosas. Ilustremos com alguns exemplos:

Khodorkovsky – Sector do petróleo, dono da YUKOS e o homem mais rico do país foi preso por fraude e evasão fiscal.
Boris Berezovsky – Muito influente sob Yeltsin, fugiu para o Reino Unido em 2000 e morreu “misteriosamente” em 2013.
Vladimir Gusinsky – Dono da Media-Most que controlava o canal de TV NTV e era crítico de Putin, vendeu “voluntariamente” a empresa ao estado e exilou-se.
Timoshenko Platon Lebedev – Preso em 2003.
Pugachev – Exilou-se no Reino Unido.

2.4 - O longo braço de Putin
À semelhança de Stalin que mandou assassinar Leon Trotsky no México, Putin faz questão de demonstrar que ninguém lhe escapa, esteja onde estiver. Alguns exemplos de como o pupilo tenta igualar o mestre no “desaparecimento” de gente incómoda:
Nikolai Glushkov – Ex diretor da Airflot. Encontrado em casa estrangulado. Assassinado em 2018.
Alexander Pielieshenko – Denunciou lavagem de dinheiro. Foi forçado a exilar-se no Reino Unido em 2012, tendo morrido envenenado por contacto ao fazer jogging perto de sua casa.
Alexander Litvinenko – Ex agente do FSB envenenado com polónio-210 radioativo em 2006.
Andrey Borodin – Ex presidente do banco de Moscovo, exilado em Londres, sobreviveu ao ser empurrado de uma janela em 2011.
Maxim Furobov – Quadro da Gazprom. Caiu de uma varanda em Moscovo em 2022.
Anatoly Gerashchenko – Ex diretor do Instituto de Aviação de Moscovo, caiu de umas escadas no instituto em 2022.
Ravil Maganov – Presidente da Lukoil petróleos- crítico da invasão da Ucrânia, caiu de uma janela do hospital em Moscovo, em 2022.
Dan Rapoport – Russo-americano crítico de Putin, caiu de uma varanda em Washington, USA, em 2022.
Maxim Kuzminov – Piloto de helicópteros na guerra da Ucrânia, foi baleado em Espanha em 2023.

2.5 - Alterações legislativas
Ao longo do tempo, Putin fez aprovar alterações à constituição e à legislação, no sentido de acentuar o pendor autoritário antidemocrático e pessoal do regime, uma vez que vêm centrar o edifício legislativo cada vez mais na pessoa do ditador. Prossigamos pois:

2.5.1 – Introdução de emendas constitucionais
A constituição determinava um limite de dois mandatos presidenciais. Essa limitação obrigou a que, naquele que seria o terceiro mandato de Putin como presidente (2008-2012) se tenha recorrido a um truque. No quadriénio que corresponderia ao terceiro mandato, Medvedev fez-lhe o favor de ocupar a cadeira presidencial, enquanto Putin foi “despromovido” a primeiro ministro. Medvedev prestou-se a atuar como sempre atuou, desempenhando um papel meramente decorativo enquanto Putin continuou a exercer o verdadeiro poder. Posteriormente voltou a candidatar-se e a ser eleito e a ocupar o “seu” lugar de chefe de estado.

A experiência, por incómoda, determinou que em 2020 se tivessem introduzido alterações constitucionais:

  • F oram desconsiderados os três mandatos anteriores os quais deixaram constitucionalmente de existir sumindo-se no horizonte da política russa.


Assim, depois de já ter cumprido três mandatos mais um na sombra de Medvedev, Putin candidata-se ao seu primeiro mandato. Confuso? Nem por isso. Afinal, uma ditadura é sempre uma ditadura.

  • Os mandatos de 4 anos foram estendidos para 6 anos.

As alterações garantem a permanência de Putin na presidência até 2036.

  • O Presidente passa a controlar a nomeação de juízes.

  • O Presidente passa a nomear e demitir o primeiro ministro e ministros sem aprovação parlamentar.

  • Estabelece a supremacia da constituição russa sobre quaisquer acordos ou tratados internacionais.


Significa isto que a Rússia passa a poder, sob o pretexto de inconstitucionalidade, rasgar qualquer tratado ou acordo a que o estado russo se tenha anteriormente comprometido. Por exemplo, aquele que garantia a segurança da Ucrânia e o respeito pelas suas fronteiras a troco das armas nucleares soviéticas aí estacionadas.

  • Conferiu ao presidente o poder de nomear e demitir os presidentes do tribunal constitucional e do supremo tribunal.

  • Determinam a criação de um Conselho de Estado, através do qual Putin pode continuar a exercer a sua influência política, para além de 2036

2.5.2 - Alteração das leis eleitorais e dos partidos políticos

  • Restringe as candidaturas oposicionistas e a inscrição de partidos.

  • Criando exigências legais e burocráticas, impossíveis de cumprir, para a angariação de assinaturas.

  • Dificultando o financiamento de partidos da oposição e de ONGs, particularmente, mas não só, no que toca ao capital estrangeiro, o que extingue praticamente a maioria das ONGs.

  • Desqualifica as candidaturas oposicionistas a cargos no estado e até no emprego privado com falsas acusações criminais.

  • A pretexto das incómodas manifestações pro-Alexei Navalny, (recentemente e provavelmente convidado a falecer), o apoio à oposição foi criminalizado, justificando-se a lei com a contenção das “organizações extremistas”.

  • Proibindo as organizações, discricionariamente assim qualificadas, de existirem e, em decorrência, de se apresentarem a eleições.

2.5.3 - Lei de segurança e antiterrorista
A pretexto da segurança é reforçada a vigilância sobre as oposições. A lei de segurança e antiterrorista, foi liberalmente utilizada para encarcerar cidadãos que participaram nos protestos a favor de Navalny e antiguerra na Ucrânia.

2.5.4 - eleição direta dos governos regionais
Acabando com a eleição direta dos governos regionais, cujos cargos passaram a ser de nomeação presidencial.

2.6 - Fim da liberdade de imprensa
O controlo da informação é um requisito indispensável a qualquer ditadura que se preze. Pode-se mesmo afirmar sem receio de errar, que onde há liberdade de imprensa não há ditadura. A Rússia de Putin dispensou particular atenção e apoio à eliminação da liberdade de imprensa.

2.6.1 - Nacionalizando os principais meios de comunicação
Como o Chanel One ou o Russa 24.
Os meios de comunicação, TV, jornais e outros, foram adquiridos por empresas estatais ou por oligarcas leais a Putin.

2.6.2 - Institucionalização da censura
Criando a Roscomnadzor, agência estatal para controlo dos media tradicionais, mas também de blogs e sites. Trata-se de uma organização cuja principal função é o exercício da censura.

2.6.3 - Intimidação e violência
Recorrendo a meios punitivos legais, violência, perseguição de jornalistas e órgãos de informação e, Inclusivamente, a assassinatos como foi o caso de Anna Politkovskaya abatida em 2005 ou de Pavel Sheremet num atentado em 2016.

2.6.4 - Prisão e perseguição
A legislação prevê crimes com uma formulação tão vaga que permitem todas as interpretações. É o caso dos crimes por extremismo, difamação ou propagação de notícias falsas.

2.6.5 - Lei dos agentes estrangeiros
Rotulando media e jornalistas de “agentes estrangeiros” se recebem qualquer financiamento do exterior.

2.6.6 - Lei das notícias falsas e censura militar
Criminalizando e punindo, com 15 anos de prisão, media e jornalistas que contrariem as versões oficiais. Um exemplo elucidativo de notícia falsa é qualificar a “operação militar especial” na Ucrânia como GUERRA.

2.6.7 - Encerramento de meios de comunicação
Como foi o caso da rádio Ekho Moskvy ou do jornal Novaya Gazeta, mas também o bloqueio de sites como o da BBC internacional.

2.6.8 - Expulsão ou prisão de jornalistas estrangeiros
Forjando normalmente de espionagem, como foi o caso do jornalista americano do Wall Street Journal, Evan Gershkovich, recentemente libertado numa troca de prisioneiros.

2.6.9 – Autocensura
O receio de represálias gerou um ambiente no qual os profissionais de informação se abstêm de emitir ou escrever informações dissonantes das oficiais, tendo-se generalizado a prática da autocensura.

Aqui chegados, temos de reconhecer que muito fica por dizer. A Rússia é o maior país do mundo e a política russa, assim o intuímos, será muito mais complexa do que possa parecer. As nuances, as rivalidades e as lutas pelo poder ou pelo favor do chefe escapam-nos.
A falta de transparência, muitíssimo acentuada em consequência da invasão da Ucrânia, obriga-nos a utilizar estimativas de organizações internacionais e ONGs que, provavelmente, apenas darão uma pálida ideia da realidade.
A guerra é sempre um fator condicionante da realidade. No dizer do velho Ésquilo, “A primeira vítima da guerra é a verdade”. Alguns números pecarão por defeito, pela timidez das fontes, outros por excesso pelo proselitismo das propagandas. Mesmo assim optamos por utilizar alguns, não porque reflitam completamente a realidade, mas porque apontam inequivocamente uma direção. Um caminho para a insensibilidade da tirania e para arrogância dos construtores de impérios.

Olhando agora para a Rússia de Putin o que é que nos é dado ver?
Mais um ditador eleito, como o foram Hitler ou Viktor Orbán (para citar um mais recente), que se dedicou paulatinamente a destruir a democracia e a instalar a tirania.
Um novo Czar determinado a vingar a humilhação da guerra fria e com a suprema ambição de construir um novo império.

Como caracterizar a Rússia atual, quando...

  • O poder executivo é corporizado num só homem

  • O poder judicial não é independente do poder executivo

  • O poder legislativo está reduzido a uma caricatura

  • A imprensa livre e independente não existe

  • A oposição foi reprimida e só são permitidos partidos “amigos” do chefe

  • O chefe controla todo o aparelho repressivo, polícias e militares

  • O chefe controla a economia por intermédio de oligarcas fiéis

  • Qualquer manifestação dissonante é duramente reprimida

  • A corte putinista arrastou o país para guerras constantes e devastadoras


É pois, de concluir, que todos os elementos constitutivos de uma ditadura estão presentes e o custo é tremendo.

Estima-se que:

  • Estejam encarcerados por motivos políticos mais de 500 cidadãos.

  • Cerca de 1 milhão de russos exilaram-se depois do início da guerra na Ucrânia.

  • A estes acrescerão milhares de exilados, com incidência na última década.


Os internamentos psiquiátricos de opositores estão de volta, numa reedição de um método estalinista. Ilustro com apenas dois exemplos:

- Pyotr Pavlensky - artista e ativista dos direitos humanos, por ser irreverente e desalinhado
- Mikhail Kosenko que participou num protesto contra o governo.

Os assassinatos políticos também estão de volta. Assassinatos de políticos e jornalistas já conhecíamos, mas, em 2022, parece ter havido uma predileção especial por ativistas de direitos humanos. Exemplos:

Boris Nemtesov – Ex vice-primeiro ministro baleado perto do Kremlin em 2006
Stanislav Markov – ativista de direitos humanos, assassinado em 2022
Anastasia Baburova - ativista de direitos humanos, assassinada em 2022
Natalya Estemirova - ativista de direitos humanos, assassinada em 2022

Nas sucessivas guerras, estimativas conservadoras apontam as seguintes perdas:

  • Guerras na Chechénia – 8.000 a 15.000 baixas mortais e 15.000 a 40.000 feridos

  • Guerra na Geórgia – 67 baixas mortais e 280 feridos

  • Guerra na Síria – 200 a 400 baixas mortais e mais de 1.000 feridos

  • Guerra na Ucrânia – Acima de 250.000 baixas mortais e número de feridos desconhecido (7)
    Eis o custo a pagar por uma ditadura possuída por sonhos imperiais. O sonho do protagonismo planetário está a pagar-se externamente com a desgraça de milhões de cidadãos ucranianos, sírios, chechenos e outros, mas também com a sujeição e o sangue dos próprios russos

Eis o “putinismo”

(1) STASI - A polícia Secreta da RDA, República Democrática Alemã (Comunista)

(2) À exceção do período pós-soviético da presidência de Boris Yeltsin

(3) Vulgo: Espião

(4) O Neo-euroasianismo será abordado em detalhe em próxima publicação, pois explica muitas

das ações russas deste período.

(5) A mesma estratégia usada na Ucrânia relativamente a Donetz, Lugansk e Crimeia

(6) – A reivindicação russa da Crimeia é particularmente cínica, dado que os russos não são a população original da Crimeia. Essa era constituída pelo povo tártaro. O que ocorreu com este povo é particularmente elucidativo dos métodos estalinistas que Putin veio a adotar.
De maio a novembro de 1944, foram deportados da sua terra natal pelas tropas da URSS, 236.000 tártaros. Cerca de 86% deles mulheres e crianças. O seu destino foi cruel. 8.000 morreram durante o “transporte”. Segundo o NKVD (KGB e FSB atual), 10.100 morreram de fome no Uzbequistão outros 30.000 terão morrido no exílio. Segundo organizações tártaras, as vítimas da deportação representarão 46% dos deslocados, isto é cerca de 110.000 baixas.

(7) A guerra no Afeganistão que precipitou a queda da URSS “apenas” causou cerca de 15.000 baixas mortais, cerca de 35.000 feridos e 300 desaparecidos.

Agradecimento aos autores deste vídeo