"China: O Dragão Autoritário"

Por Simon Ben-David

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Texto #10

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Taiwan e o Futuro da Ordem Global

A questão de Taiwan é muito mais do que uma disputa territorial; é um teste à resiliência das democracias e ao compromisso internacional com os princípios de soberania e liberdade.

À medida que a China intensifica a sua pressão sobre Taiwan, os EUA e outros aliados enfrentam o dilema de equilibrar o apoio à ilha sem provocar uma guerra aberta. A reeleição de Donald Trump adiciona outra camada de complexidade, podendo tanto reforçar a defesa de Taiwan quanto exacerbar a tensão com Pequim.

O futuro de Taiwan está intrinsecamente ligado ao equilíbrio de poder no Pacífico e ao confronto mais amplo entre democracias e autoritarismos. A forma como o mundo lidar com esta questão definirá não apenas o destino de Taiwan, mas também os valores que prevalecerão no século XXI. Este é o verdadeiro conflito decisivo.

Um confronto aberto entre os EUA e a China, os dois gigantes económicos e militares do planeta, teria consequências catastróficas para o mundo. Não seria apenas uma luta por influência ou territórios, mas um armagedão que abalaria profundamente a ordem mundial, desencadeando uma crise económica e humanitária de dimensões catastróficas. No entanto, o impasse em Taiwan não é inevitavelmente uma profecia de guerra.

Neste contexto, Taiwan não é apenas um território; é um símbolo de resistência e de esperança num mundo onde as linhas entre o poder e os princípios são cada vez mais ténues. O que está em jogo é nada menos do que o futuro da ordem internacional e a própria capacidade da humanidade de resolver os seus conflitos sem se autodestruir.

Simon Ben-David

Contexto Histórico: Raízes de uma Divisão Profunda

A rivalidade entre a China continental e Taiwan tem as suas raízes no final da Guerra Civil Chinesa, em 1949, quando o Partido Comunista Chinês (PCC), liderado por Mao Zedong, assumiu o controlo do continente. O governo da República da China, inicialmente liderado por Chiang Kai Shek e pelo Partido Nacionalista Chinês (Kuomintang), retirou-se para Taiwan, onde estabeleceu a sua base de operações.

Desde então, Taiwan transformou-se numa democracia próspera, enquanto o PCC consolidou o seu domínio através de um regime autoritário no continente. Esta trajetória divergente moldou profundamente as perceções e valores das populações de ambos os lados do estreito de Taiwan, erguendo barreiras culturais e políticas que tornam a reunificação cada vez mais difícil.

Taiwan na ONU: Dos Fundadores à Exclusão

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a República da China foi um dos membros fundadores da ONU em 1945 e ocupou um lugar permanente no Conselho de Segurança (com poder de veto). Na época, era amplamente reconhecida como o governo legítimo de toda a China, incluindo o continente.

Contudo, a situação mudou drasticamente após a Guerra Civil Chinesa (1927-1949). Com a vitória do Partido Comunista Chinês no continente e o estabelecimento da República Popular da China, liderada por Mao Zedong, o governo da ROC recuou para Taiwan. Apesar disso, a ONU continuou a reconhecer a Republic of China (ROC) como representante legítima da China durante mais de duas décadas, devido ao alinhamento ideológico da Guerra Fria.

A viragem ocorreu em 1971, com a aprovação da Resolução 2758 da Assembleia Geral da ONU. Esta resolução reconheceu a República Popular da China como o único representante legítimo da China nas Nações Unidas e expulsou a República da China. Desde então, Taiwan tem sido efetivamente excluída da ONU e de todas as suas agências especializadas.

Chiang Kai Shek e Mao Zedong posam para uma foto

Resolução 2758 da ONU

A Resolução 2758 é o marco da exclusão de Taiwan do sistema das Nações Unidas. Contudo, o texto da resolução é vago em relação ao estatuto de Taiwan. Embora reconheça a República Popular da China como o representante legítimo da China, não aborda diretamente a questão da soberania sobre Taiwan, deixando espaço para interpretações contraditórias.

Pequim sustenta que a resolução confirma a sua soberania sobre Taiwan, enquanto a ilha argumenta que não há uma decisão explícita que a prive de representação internacional. Esta ambiguidade tem sido explorada por ambos os lados para sustentar as suas posições.

A exclusão de Taiwan da ONU é resultado direto da política de "uma só China", promovida por Pequim. Este princípio afirma que existe apenas uma China e que Taiwan é parte integrante do seu território. A China exige que todos os países e organizações internacionais que pretendam estabelecer relações com Pequim reconheçam esta política, o que leva à exclusão de Taiwan da maioria dos fóruns internacionais.

Pequim utiliza o seu poder económico e diplomático para pressionar países a não apoiarem Taiwan na ONU. Mesmo países que mantêm relações informais com a ilha evitam endossar oficialmente a sua participação na organização, temendo retaliações chinesas.

Como os tempos eram outros

Este vídeo mostra o momento de aprovação da resolução 2758 do ONU.
Chamamos a atenção para o que o representante da China disse na época.

Portugal votou a favor da Resolução 2758 da Assembleia Geral da ONU em 1971, que reconheceu a República Popular da China (RPC) como o representante legítimo da China nas Nações Unidas, substituindo a República da China (Taiwan). Salazar já tinha desaparecido e o primeiro-ministro era Marcelo Caetano.

O Papel dos EUA

Os EUA são o principal aliado de Taiwan e têm desempenhado um papel central na sua defesa. Através do Taiwan Relations Act, promulgado em 1979, os EUA comprometeram-se a fornecer assistência militar à ilha, mesmo sem reconhecer formalmente Taiwan como um país independente.

Recentemente, Washington intensificou a sua presença no Pacífico, com patrulhas navais no estreito de Taiwan e vendas de armamento avançado, incluindo mísseis defensivos e sistemas antiaéreos. A retórica de apoio à democracia taiwanesa tem sido um pilar da política externa americana, mas também um fator de escalada das tensões nas relações sino-americanas.

Donald Trump: O Retorno à Presidência e eventuais Impactos

Com o retorno de Donald Trump à presidência dos EUA em 2025 adiciona um elemento de incerteza à já volátil questão de Taiwan. Durante o seu primeiro mandato, Trump adotou uma postura agressiva em relação à China, envolvendo-se numa guerra comercial e reforçando os laços militares e económicos com Taiwan. Promete desta vez reforçar as tarifas alfandegárias para 100%. Se acontecer, esta política agravará a economia mundial dramaticamente, na opinião de muitos economistas. Não será neste artigo que trataremos este assunto. O que podemos referir é que as relações entre China e EUA se agravarão certamente, o que obviamente não será positivo para as tensões no estreito de Taiwan.

Um novo mandato de Trump deverá trazer uma abordagem ainda mais conflituosa. Trump tem sido vocal sobre a necessidade de conter a ascensão da China e, para isso, Taiwan poderia tornar-se um ponto central da sua estratégia. No entanto, a imprevisibilidade do ex-presidente e a sua tendência para decisões unilaterais pouco refletidas poderiam também aumentar o risco de erros estratégicos que agravem a situação.

Por outro lado, líderes chineses têm mostrado relutância em negociar com administrações mais combativas. Com Trump no poder, é provável que Pequim reforce as suas capacidades militares e adote uma posição mais agressiva em relação a Taiwan, antecipando um confronto direto.

Riscos dum Conflito de Proporções Catastróficas

O Estreito de Taiwan tornou-se um dos pontos mais perigosos do mundo, com um potencial de conflito que poderia escalar rapidamente para uma guerra de proporções globais.

Impactos Económicos

Taiwan é vital para a economia mundial devido à sua liderança no mercado de semicondutores. Um conflito interromperia as cadeias globais de abastecimento, afetando indústrias como a automóvel, eletrónica e defesa, e desencadearia uma crise económica sem precedentes.

Impactos Geopolíticos

Um ataque a Taiwan envolveria automaticamente os EUA e os seus aliados, levando a um confronto direto entre as principais potências militares do mundo. A possibilidade de uso de armas nucleares, embora remota, não pode ser descartada, especialmente num cenário onde a escalada fugisse ao controlo.

Impactos Humanitários

Além das consequências económicas e militares, um conflito em Taiwan causaria uma crise humanitária massiva, com milhões de deslocados e um impacto devastador na população local.

China: Tudo pela Reunificação

Para a China, Taiwan não é apenas uma questão territorial, mas também uma questão de legitimidade política e integridade nacional. O presidente Xi Jinping tem reiterado que a "reunificação" com Taiwan é inevitável e um objetivo central para a sua liderança. Talvez vezes demais . É uma obsessão política e uma questão de prestigio e sobrevivência.

Nos últimos anos, a China tem intensificado a pressão sobre a ilha através de exercícios militares nas proximidades, sobrevoos de caças no espaço aéreo de Taiwan e uma campanha internacional para isolar diplomaticamente o governo de Taiwan. Atualmente, apenas um punhado de países reconhece Taiwan como um Estado soberano, devido à pressão económica e política de Pequim.

No entanto, para além da retórica e das ameaças, a China enfrenta dilemas internos e externos que tornam uma invasão de Taiwan arriscada. O custo humano, económico e político de tal ação seria enorme, e as consequências internacionais poderiam devastar a economia chinesa, altamente dependente do comércio global.

Ao contrario da miserável e criminosa guerra que a Rússia impõe na Ucrânia, ao arrepio do direito internacional, a China tem a legitimidade de uma resolução da ONU para reclamar a reunificação com Taiwan. Mas esta reunificação não pode, nem deve, ser feita pela força, e contra a vontade dos povos da China continental e insular. Uma reunificação forçada entre a China Continental e Taiwan não só violaria os princípios do direito internacional, como também negaria os direitos fundamentais à autodeterminação e à liberdade dos povos envolvidos. Para que esta questão seja resolvida de forma legítima e pacífica, é essencial que ambas as partes procurem o diálogo e respeitem os valores democráticos e os desejos das populações de ambos os lados do Estreito de Taiwan.
Impor a "reunificação" através da força militar não apenas traria devastação humana e económica, mas também colocaria em risco a estabilidade regional e global, num momento em que o mundo precisa de cooperação e não de novos conflitos.

A resolução deste impasse exige mais do que afirmações de legitimidade histórica; requer a construção de confiança, respeito mútuo e um compromisso genuíno com a paz. Qualquer solução duradoura terá de ser alcançada por meios diplomáticos, garantindo que os direitos e as aspirações dos cidadãos de Taiwan e da China continental sejam respeitados. Afinal, uma verdadeira união só pode ser baseada no consenso e na vontade livre dos povos envolvidos, e nunca por imposição ou pela força. Esperemos que os 3000 anos da cultura chinesa, e da sua história se façam sentir na resolução deste conflito.

A Importância de Taiwan

Uma Perspetiva Política, Económica, Geopolítica e Cultural

Taiwan, apesar de ser uma ilha com pouco mais de 23 milhões de habitantes, desempenha um papel desproporcionalmente grande no cenário internacional. Embora o seu território seja modesto, a sua relevância transcende o seu tamanho físico, estendendo-se a múltiplas dimensões: política, económica, geopolítica e cultural.

Importância Política: Democracia na Linha da Frente

Taiwan atualmente é uma das democracias mais vibrantes e consolidadas da Ásia, apesar do seu passado não ter sido democrático. O seu sistema político assenta em eleições livres, uma imprensa independente e uma sociedade civil ativa, características que contrastam fortemente com o regime autoritário da República Popular da China (RPC). A sobrevivência de Taiwan como uma entidade política autónoma é um símbolo de resistência contra o expansionismo autoritário. A sua capacidade de manter a democracia, apesar das ameaças constantes de Pequim, inspira movimentos pró-democracia noutras partes da Ásia e além. Taiwan demonstra que valores universais como liberdade e soberania podem florescer numa região frequentemente dominada por regimes autoritários. Para o Ocidente, apoiar Taiwan é mais do que proteger um aliado; é um compromisso com os princípios democráticos e com a autodeterminação dos povos.

Importância Económica: O Pulmão da Tecnologia Global

A economia de Taiwan é uma força motriz na tecnologia global. A ilha lidera a produção de semicondutores, componentes fundamentais para dispositivos eletrónicos como smartphones, computadores, veículos elétricos e sistemas de defesa. Empresas como a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) são líderes incontestáveis na indústria global de chips, fabricando os semicondutores mais avançados do mundo. A dependência de Taiwan para este recurso vital torna a sua estabilidade essencial para as economias de países como os EUA, Japão, Coreia do Sul e União Europeia. Uma interrupção na produção taiwanesa de semicondutores teria repercussões catastróficas na economia mundial, paralisando indústrias inteiras e desencadeando uma crise económica de grande escala.

Importância Geopolítica: A Primeira Linha no Indo-Pacífico

Taiwan ocupa uma posição estratégica no Indo-Pacífico, uma região central para o equilíbrio de poder entre as principais potências mundiais. Situada entre a China e o Pacífico Ocidental, a ilha é parte integrante da "primeira cadeia de ilhas", uma barreira geográfica que limita a projeção militar da China para o alto-mar. Para os Estados Unidos e os seus aliados, manter Taiwan fora do controlo chinês é crucial para conter a expansão militar de Pequim e preservar a liberdade de navegação nas rotas marítimas internacionais mais importantes do mundo.
Para a China, a integração de Taiwan é vista como um passo essencial para afirmar o seu estatuto de superpotência global. A ilha representa não apenas uma questão de soberania nacional, mas também uma posição estratégica vital para o domínio do Pacífico Ocidental.
O destino de Taiwan, portanto, não é apenas um problema regional, mas um fator determinante para a arquitetura de segurança global. Um conflito envolvendo Taiwan poderia escalar rapidamente, arrastando países como os EUA, Japão, Coreia do Sul e até a Austrália, com consequências devastadoras para a estabilidade mundial.

Importância Cultural: Identidade e Resiliência

Taiwan é também um exemplo de resiliência cultural. A sua história, marcada por influências chinesas, japonesas e ocidentais, criou uma identidade única que combina tradições antigas com inovação moderna. Apesar das tentativas da China de deslegitimar a identidade taiwanesa, a ilha desenvolveu uma cultura própria, expressa na sua música, cinema, literatura e gastronomia. Além disso, Taiwan tem sido um farol para a liberdade de expressão e os direitos humanos na Ásia, proporcionando um espaço para artistas, ativistas e intelectuais prosperarem.
A luta de Taiwan pela preservação da sua identidade cultural é inseparável da sua luta política. Cada eleição, cada peça de arte e cada movimento social na ilha são uma declaração de que Taiwan é mais do que um pedaço de terra: é uma ideia, um povo e uma cultura que recusam ser apagados.

Taiwan no Futuro Global

A importância de Taiwan transcende as suas fronteiras e reflete-se em várias dimensões essenciais para o mundo atual. Politicamente, a ilha destaca-se como uma democracia resiliente, um exemplo vibrante de liberdade e autodeterminação numa região marcada por regimes autoritários. Economicamente, é um motor global de inovação tecnológica, liderando a produção de semicondutores, fundamentais para a economia mundial. Geopoliticamente, é um ponto de tensão crítico, onde democracias e autoritarismos se confrontam pelo futuro da ordem internacional. Culturalmente, Taiwan é um símbolo de resiliência e criatividade, afirmando a sua identidade única apesar da pressão constante de Pequim.

O futuro de Taiwan está intrinsecamente ligado aos valores que a comunidade internacional decidirá defender. A preservação da ilha como um território autónomo e democrático será um teste à capacidade da humanidade de resistir à opressão e de encontrar soluções pacíficas para os conflitos mais complexos.

A questão de Taiwan vai muito além de uma disputa territorial; é uma batalha ideológica que contrapõe dois modelos de governação: democracia e autoritarismo. Enquanto Pequim insiste na "reunificação", Taiwan reforça a sua posição como um Estado independente de facto, com o apoio de aliados internacionais. O desenrolar desta tensão definirá não apenas o futuro da ilha, mas também o equilíbrio de poder no século XXI.

Neste contexto, Taiwan é mais do que uma questão regional: é uma peça-chave para a paz, a prosperidade e a liberdade globais. Contudo, surgem questões inevitáveis: até onde estará Pequim disposta a ir para alcançar os seus objetivos? E, se uma escalada for inevitável, como responderá o mundo a uma crise que tem o potencial de redefinir os valores e as alianças globais? O destino de Taiwan será, sem dúvida, um marco decisivo para os princípios que prevalecerão no século XXI.

Vídeo sobre Taiwan e o conflito com a China continental