"China: O Dragão Autoritário”

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por Simon Ben-David

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Texto #3

Da Revolução Cultural ao Totalitarismo Moderno

A história da China é marcada por uma das civilizações mais antigas do mundo, com origens na dinastia Xia (c. 2070–1600 a.C.), seguida pelas dinastias Shang e Zhou, onde emergiram conceitos fundamentais da cultura chinesa, como o confucionismo e o taoismo. Ao longo dos séculos, a China passou por várias dinastias, como os Han, Tang, Song e Ming, que consolidaram a sua cultura, economia e território.

No século XIX, a China enfrentou desafios significativos, como a Guerra do Ópio, que abriu caminho para a interferência ocidental, e a Rebelião Taiping, um conflito civil devastador. A queda da última dinastia imperial, os Qing, em 1912, marcaram o fim do império chinês e o início da República da China.

Durante o início do século XX, a China mergulhou em conflitos internos, com lutas entre nacionalistas e comunistas. Em 1949, Mao Zedong liderou o Partido Comunista Chinês na criação da República Popular da China, implementando reformas radicais, como a coletivização da agricultura e a industrialização.

Contudo, o fracasso do Grande Salto em Frente (1958-1962), uma campanha para acelerar o desenvolvimento económico, levou a uma grande fome que matou milhões. Para reafirmar o controlo e eliminar rivais políticos, Mao iniciou a Revolução Cultural em 1966. Este movimento visava "purificar" a sociedade e o partido de elementos considerados contrarrevolucionários, levando à perseguição em massa, destruição de património cultural e caos generalizado até à sua conclusão em 1976.

A Revolução Cultural da China: Um dos Maiores Horrores do Século XX

A Revolução Cultural, oficialmente conhecida como "Grande Revolução Cultural Proletária", foi um movimento sociopolítico iniciado na China em 1966 pelo líder do Partido Comunista Chinês, Mao Tsé-Tung. Este período, que se estendeu até 1976, teve como objetivo principal reforçar a ideologia comunista no país, eliminando vestígios de influências capitalistas, tradicionais e até mesmo alguns elementos do próprio comunismo que Mao considerava desviantes. O processo levou a uma transformação profunda da sociedade chinesa, marcada por violência, repressão e perseguições em massa.

O que foi a Revolução Cultural?

A Revolução Cultural foi um esforço radical para reafirmar a ideologia de Mao Tsé-Tung e eliminar os seus inimigos políticos, dentro e fora do Partido Comunista Chinês. Sob o pretexto de combater elementos burgueses infiltrados, Mao mobilizou principalmente os jovens, formando a chamada "Guarda Vermelha", um exército de jovens fanáticos que se tornaram os principais agentes da purga. Estes jovens eram incentivados a atacar professores, intelectuais, artistas e funcionários do governo, acusados de "traição à causa socialista". As figuras da história e da cultura chinesa tradicional foram os alvos, sendo livros queimados, templos destruídos e monumentos históricos vandalizados.

Duração e Razões da sua Existência

A Revolução Cultural durou oficialmente de 1966 a 1976, um período de dez anos. A principal razão para a sua existência foi o desejo de Mao de reconsolidar o seu poder dentro do Partido Comunista Chinês após o fracasso do "Grande Salto em Frente", um plano económico que resultou numa fome devastadora e numa crise económica nos anos 50. Mao temia que outros líderes do partido, mais pragmáticos, estivessem a tomar o controlo e a desviar a China da sua visão de um socialismo puro e revolucionário. Assim, lançou a Revolução Cultural como uma forma de eliminar os seus rivais políticos e assegurar que a sua versão do comunismo permanecesse dominante.

Além disso, havia uma forte motivação ideológica: Mao acreditava que as classes burguesas e os intelectuais estavam a corromper o socialismo na China e que era necessário purgar essas influências para garantir a continuação da revolução.

Eatimativa de Mortes e Consequências

As estimativas de mortes variam, mas é amplamente aceite que entre 500 mil a 2 milhões de pessoas morreram como resultado direto da violência, execuções e suicídios forçados. No entanto, quando se consideram os efeitos indiretos, como a desorganização da economia, o colapso da educação e o impacto psicológico duradouro, as consequências foram ainda mais catastróficas. Milhões de pessoas foram perseguidas, humilhadas publicamente, encarceradas e torturadas. Intelectuais foram forçados a trabalhar em campos de reeducação, e muitos viram as suas vidas e carreiras destruídas.

Além das mortes, a Revolução Cultural deixou a sociedade chinesa desfeita. O sistema educativo foi severamente afetado, pois as universidades e escolas foram fechadas por anos, e o conhecimento tradicional e científico foi considerado suspeito. A economia estagnou, e muitos dos progressos sociais e culturais alcançados antes de 1966 foram revertidos.

Como a Revolução Cultural Terminou?

A Revolução Cultural só terminou oficialmente em 1976, com a morte de Mao Tsé-Tung. No entanto, o seu fim começou a ser traçado já em 1972, quando figuras como Zhou Enlai, o primeiro-ministro da China, começaram a recuperar alguma influência. Após a morte de Mao, a chamada "Gangue dos Quatro", um grupo de líderes ultra leais à ideologia maoísta que tinha controlado grande parte das ações da Revolução Cultural, foi preso. Este momento marcou o fim formal do movimento e o início de uma nova era de reformas sob a liderança de Deng Xiaoping, que restaurou muitos dos princípios moderados e pragmáticos que haviam sido desmantelados.

Exemplos de Atrocidades

Um dos exemplos mais brutais de violência durante a Revolução Cultural foi a perseguição aos intelectuais. Milhares de professores e escritores foram humilhados publicamente, espancados e, em muitos casos, executados. O famoso caso do professor Bian Zhongyun, vice-diretor de uma escola secundária em Pequim, que foi espancado até à morte por estudantes da Guarda Vermelha em 1966, simboliza a brutalidade do movimento. Além disso, muitos templos e monumentos históricos, como o Templo de Confúcio, foram destruídos, numa tentativa de erradicar a cultura tradicional.

Outro exemplo notório foi a campanha contra Liu Shaoqi, ex-presidente da China e rival político de Mao. Liu foi preso, humilhado publicamente e morreu em condições desumanas numa prisão. Estes exemplos refletem o nível de crueldade e repressão que a Revolução Cultural promoveu em nome da pureza ideológica.


A Revolução Cultural foi um dos capítulos mais sombrios da história contemporânea. Sob o pretexto de um renascimento ideológico, Mao Tsé-Tung lançou um movimento que se tornou um ciclo de violência e destruição sem precedentes. As consequências humanas foram devastadoras: milhões de vidas foram perdidas, a sociedade foi fragmentada, a cultura chinesa foi brutalmente atacada e o progresso da nação foi estagnado por uma década.

A crítica mais feroz que se pode fazer à Revolução Cultural é que, apesar de todos os seus objetivos declarados de promover o socialismo e a igualdade, resultou no oposto: um regime que favoreceu o autoritarismo extremo, a intolerância, a repressão e o medo. A glorificação da violência e a purga de qualquer dissidência não só ceifaram vidas, mas também destruíram o tecido moral e cultural de uma nação inteira. A lição da Revolução Cultural é clara: quando a ideologia cega se sobrepõe à humanidade e à razão, os horrores são inevitáveis.

A China contemporânea como reação à revolução cultural

A China contemporânea é, em muitos aspetos, uma reação direta ao caos e à destruição causados pela Revolução Cultural. O trauma desse período moldou profundamente as escolhas políticas e económicas que a liderança chinesa tomou nas décadas seguintes, resultando num modelo de desenvolvimento que procura evitar os erros do passado, ao mesmo tempo que reforça o controlo do Partido Comunista Chinês (PCC).

A Rejeição das Políticas Radicais

Após o fim da Revolução Cultural em 1976, a China passou por uma fase de revisão e crítica às políticas de Mao Tsé-Tung. O Partido Comunista reconheceu oficialmente que a Revolução Cultural foi um erro trágico. No entanto, a crítica foi cuidadosamente dirigida apenas ao excesso da Revolução Cultural, e não à liderança de Mao em si, devido à sua importância simbólica para o partido e para a legitimidade da revolução comunista.

A figura central na transformação da China pós-Revolução Cultural foi Deng Xiaoping, que, em 1978, assumiu a liderança e lançou as "reformas e abertura" (gaige kaifang). Este programa marcou uma clara rejeição das políticas ideológicas radicais de Mao, em particular da mobilização massiva e da purga política, ao mesmo tempo que mantinha o partido no poder e a ideologia socialista oficialmente intacta.

As Reformas Económicas de Deng Xiaoping

Deng Xiaoping impulsionou um conjunto de reformas que tinham como objetivo modernizar a economia chinesa e afastar-se do modelo de economia centralizada e rígida que caracterizou o governo de Mao. Estas reformas incluíram:

  1. Abertura ao Capitalismo: Embora o Partido Comunista continuasse a afirmar que a China seguia um caminho socialista, a prática foi a introdução de políticas de mercado. O país começou a permitir a existência de empresas privadas, investimentos estrangeiros e incentivos ao empreendedorismo, especialmente nas Zonas Económicas Especiais, como Shenzhen, que se tornaram centros de produção industrial e comércio internacional.

  2. Reforma Agrária: Um dos primeiros passos foi a recusa da coletivização da agricultura, permitindo que os agricultores cultivassem as suas terras e vendessem os seus produtos no mercado. Isto aumentou dramaticamente a produção agrícola e melhorou as condições de vida no campo.

  3. Modernização e Industrialização: O foco mudou para o desenvolvimento de indústrias modernas, com especial ênfase em tecnologia, manufatura e infraestruturas. A China iniciou uma transição acelerada de uma economia agrária para uma economia industrial e, eventualmente, para uma potência tecnológica global.


Estas reformas ajudaram a transformar a China numa das maiores economias do mundo e a reduzir significativamente a pobreza. Ao contrário das políticas utópicas e violentas da Revolução Cultural, as reformas de Deng eram pragmáticas, focadas em resultados económicos e na melhoria das condições de vida da população.

O Controlo Político e a Estabilidade

Apesar da liberalização económica, o Partido Comunista Chinês manteve um controlo político estrito sobre o país. Um dos traumas da Revolução Cultural foi o caos provocado pela perda de autoridade central e pela anarquia promovida pela Guarda Vermelha. A liderança pós-Mao estava determinada a evitar que algo semelhante voltasse a acontecer.

A estratégia da liderança chinesa foi clara: garantir o crescimento económico e a prosperidade, em troca de lealdade política e controlo absoluto. Qualquer movimento que pudesse ameaçar a estabilidade política foi esmagado rapidamente, como demonstrado pelo Massacre da Praça Tiananmen em 1989, quando o exército chinês reprimiu brutalmente os manifestantes pró-democracia.

A Educação e a Memória da Revolução Cultural

Um dos aspetos mais bizarros da China contemporânea é o silêncio em torno da Revolução Cultural. Apesar de ser um período tão marcante da história recente, o tema é largamente evitado nos currículos escolares e nos debates públicos. Este silêncio é intencional: o Partido Comunista Chinês, embora tenha condenado os excessos do movimento, não permite que o regime de Mao seja criticado de forma aberta, já que isso poderia pôr em causa a legitimidade do partido.

Ao mesmo tempo, o sistema educativo foi profundamente reformado para garantir que o caos da Revolução Cultural, onde as escolas e universidades foram fechadas e os professores perseguidos, nunca mais se repetisse. Hoje, a China tem uma das maiores populações estudantis do mundo e está a investir significativamente na ciência e na tecnologia, como forma de se posicionar como líder global.

A Política Cultural

No campo cultural, a China atual reflete uma postura diferente, em relação à política de erradicação cultural da Revolução Cultural. Em vez de destruir o passado, o governo chinês contemporâneo abraçou certos aspetos da sua herança cultural. Elementos do confucionismo, por exemplo, foram revividos e promovidos como parte da identidade nacional chinesa.

A abertura ao turismo e o restauro de património cultural, como a Cidade Proibida e o Exército de Terracota, também mostram uma mudança de atitude. No entanto, a cultura moderna está fortemente controlada e censurada, e qualquer manifestação artística ou intelectual que possa ser vista como uma ameaça ao poder do partido é rapidamente reprimida.

O Papel de Xi Jinping e o Reforço do Poder Central

Sob a atual liderança de Xi Jinping, que assumiu o poder em 2012, a China tem-se tornado mais assertiva no reforço do poder central e no controlo social, recuperando alguns elementos de culto à personalidade que lembram os tempos de Mao. Xi consolidou o seu poder de forma significativa, com a eliminação do limite de mandatos presidenciais e a promoção da sua ideologia, o "Pensamento de Xi Jinping", nos currículos escolares e no discurso oficial.

Embora a China contemporânea tenha abandonado os métodos mais extremos da Revolução Cultural, o regime de Xi Jinping tem mostrado que a centralização do poder e o controlo ideológico continuam a ser prioridades. A repressão a dissidentes, o controlo sobre os meios de comunicação e o uso de tecnologia de vigilância massiva mostram que o Partido Comunista Chinês aprendeu as lições da Revolução Cultural, mas continua a usar a repressão como meio de garantir a sua sobrevivência.

Conclusão

A China contemporânea é o produto direto das lições aprendidas com os horrores da Revolução Cultural. O caos e a violência dessa época levaram a uma rejeição do radicalismo ideológico em favor de um pragmatismo económico que transformou a China numa superpotência global. No entanto, essa transformação veio a um custo: o governo chinês continua a insistir num controlo político absoluto, mantendo um equilíbrio delicado entre o crescimento económico e a repressão política.

O trauma da Revolução Cultural levou a um consenso entre a liderança de que a estabilidade é prioritária, mesmo que isso signifique limitar liberdades. Enquanto a China floresce como uma potência económica, o seu sistema político permanece fortemente marcado pelas sombras de Mao, e a repressão, embora menos caótica do que na década de 1960, continua a ser uma ferramenta essencial de governação. Rótulos simples para realidades complexas, é o que nunca faremos em Causa Democrática.

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