Desenvolvimento:

A leitura do artigo “Chega o Franchisado”, (ler: clique aqui>) publicado no vosso site, deixou-me na dúvida sobre o que realmente pretende Steve Bannon com a sua “Fundação”, bem como praticamente toda a extrema direita populista europeia. Despertou-me a curiosidade em saber mais sobre o objetivo anunciado de constituir um grupo parlamentar, ou família política, com 30% ou mais dos assentos no Parlamento Europeu.

Por quê 30% e não 29% ou 15% ? Atingindo esse desiderato, que planeavam fazer com esses assentos? Uma resposta muito provável resultou da observação atenta do que estão a fazer os partidos congéneres nos países em que lograram representações parlamentares relevantes ou nos quais chegaram ao poder. A definição de “relevante” para efeitos do presente escrito, significa atingir por via da sua presença parlamentar, o poder de influenciar a agenda política e determinar os temas em discussão na sociedade ( e concomitantemente os temas que são excluídos da discussão pública). Essa relevância não se atinge da mesma forma em todos os países. Depende dos regimentos ou regulamentos que organizam o funcionamento dos parlamentos. Esses regimentos conferem direitos e deveres aos parlamentares que não são os mesmos em todos os países nem idênticos aos do parlamento do Parlamento Europeu. Mas, de uma forma geral, em todos eles a mais assentos parlamentares, corresponde maiores direitos ou direitos mais alargados, maior poder de intervenção e mais instrumentos para exercer esses direitos.

Uma questão que de imediato se pode colocar é a seguinte: Porque é que, proclamando-se antissistema e antipolíticos, fazem tanta questão de estar presentes nos parlamentos? Não são eles “antissistema”? Não é a democracia parlamentar a mãe de todos os males que “denunciam”?
A razão que me ocorre de imediato, é que preferem uma estratégia entrista. O Entrismo é um conceito que caiu em desuso, mas que ilustra bem a estratégia de promover a derrota do inimigo “por dentro”, colocando os seus agentes no interior das fileiras contrárias praticando sabotagens e criando discórdias e todo o tipo de obstáculos, em alternativa a uma oposição frontal “em campo aberto”. As tradicionais formações de extrema direita, nazis, fascistas e outras opuseram-se abertamente aos sistemas democráticos sem obter resultados apreciáveis. A sua posição de marginalidade manteve-se inalterada. Houve que mudar de estratégia.
Putin teve três décadas, desde a queda da União Soviética, para estudar as vulnerabilidades das democracias políticas. Percebeu como usar a liberdade de imprensa, as redes sociais e as instituições ocidentais para as enfraquecer e, se possível, destruir. A experiência foi aproveitada, ou transmitida por Putin aos partidos populistas europeus uma vez que é extensa a lista de cumplicidades entre uns e outros. A direita, portanto, tornou.se entrista.

Assim, o entrista, faz uso dos direitos, liberdades e garantias que a democracias permite aos que estão no seu seio, e usa os seus recursos para destruir o inimigo, tal como um parasita corrói a saúde do hospedeiro. O hospedeiro é, no caso vertente, a democracia e a batalha trava-se no seu campo, que aqui é o “campo inimigo”.
Assim sendo, e não existindo prova factual que demonstre o que os partidos “franchisados” fazem com 30% dos assentos do Parlamento Europeu, dado não os terem obtido, não obstante tenham progredido em 2024, a observação de algumas trajetórias nacionais fará incidir alguma luz e permitirá um vislumbre sobre o provável futuro dos populistas e conservadores de direita no Parlamento Europeu e por extensão sobre o possível destino de uma União Europeia predominantemente “populistarizada”.

Antes do mais haverá que verificar a dimensão da presença dos franchisados na União Europeia, recorrendo aos resultados das últimas eleições para o Parlamento Europeu:

  1. PPE - Partido Popular Europeu (integra PSD) - 25,8%

  2. S&D - Socialistas e Social Democratas (Integra o PS) - 20,6%

  3. Renew Europe - Liberal (Integra a IL) - 15,8%

  4. ECR - Reformistas e Conservadores (Integra o Chega) - 8,3%

  5. Verdes - Ecologistas - 9,4%

  6. The Left - Esquerda Europeia (Integra o PCP e BE) 6,4%

  7. ESN - Nações Soberanas da Europa - 5,7%

  8. PfE - Patriotas pela Europa - 5,1%

  9. NI - Não inscritos (Integra o Fidesz de Orban) - 3,4%


Destas famílias políticas, quatro são consideradas populistas de direita e neste momento ocupam 22,5% dos assentos no Parlamento Europeu, com a seguinte distribuição:

  1. ECR - Conservadores e reformistas Europeus - 8,3%

  2. ESN - Nações Soberanas da Europa - 5,7%

  3. PFE - Patriotas pela Europa -5,1%

  4. NI - Não inscritos 3,4%


Não estamos longe dos 30%, ou seja, do objetivo político de Bannon ao estabelecer a “Foundation” em Bruxelas.

Claro que se tratam grupos parlamentares diferentes que só no seu conjunto atingem os 22,5%. Não se trata, portanto, de um grupo parlamentar, mas de uma pequena constelação de grupos de deputados. Se conseguirem chegar aos 30% não será por isso que não formarão um único grupo, pelo menos pontualmente. Por três ordens de razões:

  • Estão todos de acordo quanto ao essencial. Existe o grande objetivo comum de reduzir à expressão mínima a União Europeia em favor um conjunto de estados de economia nacionalista.

  • Independentemente dos grupos em que se encontram filiados, encontram-se entre si com frequência, em reuniões, conferências, congressos, etc., onde concertam estratégias.

  • O prémio é demasiado grande e consiste na obtenção de poder real.

Voltemos então à questão inicial: Porquê 30% e não 29% ou 15%. Atingindo esse desiderato, que planeavam fazer com esses assentos?
Resposta simples e imediata: Pretende paralisar a atividade do parlamento europeu, desprestigia-lo e se possível desintegra-lo ou torna-lo meramente decorativo.
O simples enunciado das prerrogativas dos grupos parlamentares que no Parlamento Europeu atingem os 30%, passam a ter, só por si a apetência dos populistas. Os 30% não são suficientes para bloquear o parlamento. Mas quem detiver aquela percentagem de assentos pode exercer significativa influência. Vejamos:

  • 1- Bloqueio de maiorias qualificadas - A aprovação de algumas leis exige maiorias qualificadas, geralmente de 60% favoráveis. 30% dos deputados podem bloquear ou atirar para as calendas a aprovação de qualquer lei que exija esse tipo de maioria.

    2 - Instrumentalização de procedimentos parlamentares – Um grupo das dimensões referidas pode atrasar e obstruir o processo legislativo, prolongando debates, efetuando emendas constantes a propostas legislativas ou fazer adiar decisões.

    3 - Alianças- Podem aliar-se a outros grupos para situações específicas e se se conseguirem coligar com outros juntando mais 21% ao seu grupo, podem paralisar por completo o P.E.

    4 - Influência nas comissões - Podem influenciar fortemente estas comissões, uma vez que poderá ter participação significativa de membros seus, e obstruir ou influenciar relatórios e decisões.

    5 - Protestos e Boicotes - Em casos extremos o grupo pode boicotar sessões e/ou organizar protestos dentro do P.E. atrasando processos e aumentando a pressão política.

Os diversos grupos populistas de direita e conservadores podem juntar-se numa frente comum, e provavelmente fá-lo-ão. Não será difícil dado que muitos dos seus objetivos são coincidentes e são todos “eurocéticos”, soberanistas e nacionalistas.
A sua influência pode ainda aumentar bastante, dado que a tendência será aumentar a sua representatividade no Parlamento Europeu em próximas eleições.

Neste momento a sua presença em parlamentos nacionais de muitos países com peso na Europa é mesmo superior à que detêm no P.E. como se pode ver abaixo:

  • Hungria - FIDESZ - 53%

  • Polónia - PIS- 44%

  • Itália - Fratelli d’Italia - 44 a 50% (quando coligado)

  • Espanha - VOX - 15%

  • Áustria - FPO - 20%

  • França - Rassemblement National - 31%

  • Portugal - Chega - 18%



Afirmámos, no início deste escrito que uma forma de tentar prever o que o grupo populista fará uma vez obtida uma posição relevante no Parlamento Europeu, será a de seguir a trajetória de alguns partidos “irmãos” nos seus respetivos países, e daí tentar inferir o seu comportamento futuro. Para esse exercício escolhemos o Chega em Portugal e o FIDESZ na Hungria.
O Chega, porque está em fase de “sementeira”. Isto é, realiza ações de desacreditação do sistema democrático e do governo, promove ações com o objetivo de tornar o parlamento inoperante, em suma tenta instalar o caos no coração do sistema, enfraquecendo e desprestigiando as suas instituições e protagonistas, afim de colher os louros, mais adiante.
O FIDESZ porque está em fase de “colheita”. O que significa ter já desacreditado o sistema e ter assumido o governo, começando a mudar as leis de forma a perpetuar-se no poder.

O Chega de Ventura
Nas eleições de 2024, o Chega obteve cerca de 18% dos votos o que resultou na conquista de 50 deputados. Isso confere ao partido novos e importantes poderes.
Fiscalização da constitucionalidade de leis - A Constituição estabelece que um décimo dos deputados ( 23 deputados) da Assembleia da República confere aos grupos com esse número de assentos ou número superior pode recorrer ao Tribunal Constitucional para a fiscalização de leis.

  1. Fiscalização preventiva da constitucionalidade - de um quinto dos deputados (12 deputados) pode pedir ao TC a apreciação sobre qualquer norma constante de decreto que tenha sido enviado ao P.R. para promulgação.

  2. Comissões de inquérito – um quinto dos deputados (12 deputados) pode forçar a constituição de comissões de inquérito parlamentar.

  3. Propor um Vice-Presidente da A.R. Secretários e vice-secretários- Os quatro maiores grupos parlamentares podem propor um vice-presidente e um décimo ou mais dos deputados pelo menos um secretário e um vice-secretário.

  4. Direitos Potestativos- que não necessitam da anuência dos outros grupos, para obrigar a debates de urgência, ou de atualidade ou fixação da ordem do dia das sessões plenárias da A.R.

  5. Decretos vetados pelo P.R.- A reapreciação dos diplomas vetados pelo P.R. pode ser agendada por um décimo dos deputados.

  6. Pedidos de Apreciação parlamentar.

  7. Interpelações ao Governo.

  8. Prolongamento de Debates.

  9. Apresentação de Moções de rejeição de confiança e outras.


Estes são poderes alargados, que pela sua natureza, devem ser usados com parcimónia, sob pena de podem vir a “entupir” o processo legislativo e fiscalizador da A.R., se for usado de má-fé com fim de bloquear as instituições. A nosso ver o Chega, faz abundante uso destes poderes de má-fé, uma vez que não os utiliza para o fim para que foram concebidos mas para “entupir” a A.R. obrigar à discussão de temas desagregadores capturando a agenda mediática. Faz-se notar que, a marcação da agenda mediática com temas favoráveis à propaganda do Chega, resulta na não discussão na A.R., de temas verdadeiramente importantes e nos média à proliferação de “politiquice”, sem que aos cidadãos seja facultada informação sobre temas verdadeiramente importantes que lhes permitam adquirir opções políticas informadas.

Eis alguns exemplos contabilizados até ao fim da legislatura anterior, que não seriam recusados com o atual número de deputados:
- O chega foi o partido que maior número de projetos lei apresentou: 195 diplomas dos quais só um foi aprovado, mas ironicamente, com a abstenção do proponente!
- Nos 635 dias desde o início da anterior legislatura, André Ventura somou (só por si) 358 e Pedro Pinto 317 intervenções em plenário, não contabilizando intervenções de outros elementos do Chega.

- Propostas de constituição de Comissões de inquérito. Atualmente todas teriam sido constituídas.

  • C.I.P. À gestão da TAP.

  • C.I.P. Ao Novo Banco.

  • C.I.P. Sobre a intervenção do Estado no setor bancário.

  • C.I.P. Ao apoio à Ucrânia.

  • C.I.P. À resposta à crise da habitação.

  • C.I.P. Ao Serviço Nacional de Saúde.

  • (C.I.P. Comissão de Inquérito Parlamentar)


Interpelações pedidas pelo Chega

As interpelações frequentes são mais um expediente para entupir o parlamento e, para além disso também a regular governação e, mais uma vez marcar agenda mediática. Contabilizámos as seguintes para o período referido:

  • Primeiro Ministro por várias vezes

  • Ministro das Infraestruturas e Habitação duas vezes

  • Ministro das Finanças

  • Ministro dos Negócios Estrangeiros e Presidente da A.R.

  • Ministro da Administração Interna

  • Ministra da Saúde

  • Ministra do Trabalho

O uso de má-fé destes instrumentos regulamentares visa:

  • Atrasar a aplicação de Leis

  • Atrasar trabalhos legislativos

  • Ocupar o tempo de forma a inviabilizar a discussão de outros temas

  • Consumir recursos da assembleia

  • Atrair atenção dos votantes e dos Media

  • Criar incerteza Legal

  • Criar pressão política sobre as instituições


É de esperar que, atualmente com as possibilidades abertas pela dimensão alargada do seu grupo parlamentar, o Chega possa intensificar esta estratégia de desgaste continuo do sistema. Como exemplos recentes apontamos a Comissão de Inquérito ao caso gémeas e a tentativa frustrada de chamar o Presidente da República a responder à comissão.

FIDESZ de Viktor Orbán
Não vamos cansar o leitor descrevendo a fase de “sementeira” de Orban e do FIDESZ na Hungria, até porque é em tudo semelhante à do Chega, descontando algumas diferenças na legislação.

Fora isso, a música foi a mesma e até a letra foi igual e aprendida na mesma escola. Uma obviamente em magiar e outra na língua de Camões.

  • Interpelações ao governo

  • Comissões de inquérito

  • Moções de Censura

  • Propostas de investigação

  • Desafios à autoridade do Governo

  • Campanhas anti-stablishment

  • Construção de uma narrativa de crise

  • Etc.

Orban semeou. Usou todos os meios ao seu dispor para enfraquecer a autoridade do Governo e desprestigiar o sistema até que obteve a maioria em 2010 estando hoje, depois de várias alterações legislativa que promoveu, confortavelmente instalado nos seus 53%. Desprestigiado o sistema e ganha a maioria, eis Orbán chegado à fase da colheita. Agora no poder e alapado a ele, trata de fazer com que o não possam de lá tirar.

Alterou a constituição por meio de uma série de emendas à constituição, para conseguir consolidar a sua posição e limitar o papel da oposição. O legislativo já não é independente do Executivo.

  • Por meio de processos legislativos acelerados evitando debates e consultas, restringiu a liberdade de imprensa, governamentalizou os tribunais limitou a atividade de ONG’s.

  • Reduziu a oposição a uma situação de quase indigência política, por exemplo, introduzindo regras parlamentares que reduzem o tempo da oposição a um nível que praticamente não dá tempo para formular um discurso coerente.

  • Centralizou o poder em prejuízo acentuado dos governos locais, esvaziando-os e transferindo muito o seu poder para o governo central.

  • Controlou os meios de comunicação por meio de um órgão governamental de “regulação dos media” que permitiu a aquisição de meios de comunicação antes independentes, por aliados do FIDESZ.

  • Institucionalizou a corrupção e o nepotismo, aprovando legislação que, à semelhança de Putin, beneficia os próximos e aliados políticos, com a generalizada concessão de contratos públicos a aliados políticos ou fiéis do FIDESZ.

  • Governamentalizou o poder judicial com a sua sujeição ao executivo.

    Adicionalmente é importante referir que Orbán age como um agente de Putin no seio da U.E., e que a Hungria se transformou na placa giratória entre o regime russo e os partidos populistas e de extrema direita europeus, a avaliar pelos encontros, conferências, congressos e todo o tipo de eventos em que todos eles trocam experiências, aprendem, traçam estratégias e mobilizam apoios mútuos.


O fruto da tal colheita é: uma “Democracia Iliberal”, ou uma ditadura, ou se assim se quiser, uma “ditadura liberal”.

As ideias, os percursos, as crenças partilhadas, as alianças internacionais, as características pessoais dos lideres e sobretudo as práticas levam a crer que uma vez no poder, a instauração da “democracia iliberal” é o objetivo político dos populistas de extrema direita ao nível das nações, bem como o desmantelamento da União Europeia no plano supranacional, uma vez obtidos os desejados 30% no P.E.

Se a Europa acolher no seu seio o ovo da serpente, dele sairá o monstro que a devorará.
Cuidado, pois com as promessas de libertação, honestidade bíblica, proclamação de transparência e imaculada moralidade o que os populistas fazem é mentir. Ponto!

Sinopse:

Anteriormente, abordamos as intenção da extrema direita europeia, orientada da por figuras como Steve Bannon, em criar uma "família política" no Parlamento Europeu, de pelo menos 30% dos assentos, com o objetivo de influenciar ou paralisar a instituição. O presente texto questiona a razão desse desiderato e explora a estratégia do "entrismo", que consiste na infiltração dos partidos populistas nas estruturas democráticas para sabotar o sistema por dentro, em vez de o enfrentar abertamente.

O Ovo da Serpente

por Humberto Borges