Seita ou Partido?

Sinópse
A recente expansão da política/negócio/espetáculo tem levado ao surgimento de novas organizações que exploram a insatisfação dos cidadãos, resultado em parte da incapacidade dos partidos tradicionais em enfrentar muitos aspetos das novas realidades. As práticas e métodos de algumas dessas novas organizações convidam a uma análise mais atenta: Como se organizam? Como funcionam? Que regras cumprem?
O destaque recente obtido pelo CHEGA torna-o o óbvio objetivo desta análise, na qual adotaremos definições comumente aceites para seita e partido. Partido, seita, uma realidade híbrida? Tentaremos responder seguidamente.

O que é uma seita política?

Seita Política: O que é uma seita política?

É a organização de um grupo, baseado na contestação e antagonismo relativamente a um meio social que consideram hostil. Tipicamente, o grupo fecha-se num corpo de doutrinas que vê a restante sociedade como inerentemente errada, que passam a odiar e julgam necessário destruir. A seita acredita que inevitavelmente sobreviverá, substituindo-se ao poder vigente. Adotam noções maniqueístas de bem e mal, de pecado e santificação como forma de legitimação discursiva junto dos neófitos e na manutenção dos seguidores. A seita tende a isolar os seus membros do convívio social exterior ao próprio grupo, deixando o “dissidente” sem qualquer rede de apoio pessoal ou social quando regressa à sociedade que, por influência da seita, tinha alienado. Os ex-correligionários olham-no como traidor e os seus antigos relacionamentos como uma curiosidade de feira. A deserção no caso das seitas políticas pode acarretar perigos de segurança e até de morte. As seitas são agências reguladoras do pensamento e da ação, tendendo a ser totalitárias. Normalmente, os adeptos de uma seita negam pertencer a um grupo sectário, pois acreditam que sua visão do mundo consiste na verdade plena e absoluta.

Resumindo em 10 pontos o que caracteriza uma seita política:

  1. Liderança carismática: Uma seita política geralmente é liderada por uma figura carismática que exerce grande influência sobre os seguidores.

  2. Isolamento: As seitas políticas buscam isolar os seus membros da restante sociedade, criando uma bolha de pensamento único.

  3. Intolerância: São frequentemente intolerantes com ideias contrárias à sua ideologia, princípios e crenças, promovendo geralmente o ódio contra os grupos que se lhes opõem.

  4. Controle sobre a vida dos membros: Os líderes costumam exercer um controle rígido sobre a vida dos membros, ditando as suas ações e pensamentos.

  5. Uso de técnicas de manipulação: As seitas políticas utilizam frequentemente técnicas de manipulação mental para controlar os seus seguidores e mantê-los fiéis à ideologia do grupo.

  6. Crenças extremas e ideologia totalitária: Geralmente adotam ideologias extremas que podem envolver visões radicais sobre a sociedade, o estado e a organização social e económica.

  7. Pressão para recrutar novos membros: As seitas políticas muitas vezes pressionam os seus membros para recrutar novos seguidores e militantes, tentando aumentar assim o poder e a influência do grupo.

  8. Hierarquia rígida: As seitas políticas mantêm uma estrutura hierárquica rígida, na qual os membros mais leais ocupam posições de poder, não existindo democracia interna. É frequente a ausência de eleições para os órgãos internos.

  9. Ausência de autocrítica bem como a não aceitação de críticas externas: Membros de seitas políticas são frequentemente ensinados a rejeitar críticas externas e a acreditar que apenas a liderança do grupo possui a verdade.

  10. Dificuldade em sair da seita: Para os membros de uma seita política, pode ser difícil sair do grupo devido à pressão social, manipulação emocional ou medo das consequências.

E um Partido Político?

Um partido político organiza-se de acordo com os seguintes princípios comumente aceites:

  1. Propósito: Têm como objetivo principal influenciar o governo e a legislação através da eleição dos seus membros para cargos públicos. Procuram implementar políticas e programas que refletem as suas ideologias e interesses.

  2. Organização e Estrutura: Partidos políticos são organizações formais com estruturas definidas, que incluem membros, líderes, estatutos e regulamentos internos. Operam dentro do sistema político e legal de um país. Os órgãos internos são nomeados através de eleições internas.

  3. Ideologia e Programa: Partidos políticos geralmente têm uma plataforma ou programa que delineia as suas posições relativamente a várias questões políticas e sociais. Essas plataformas são baseadas nas ideologias que adotam.

  4. Inclusividade: Os partidos políticos buscam atrair um amplo espectro de eleitores e são, portanto, inclusivos e diversificados. Qualquer pessoa pode filiar-se num partido político, desde que cumpra os requisitos estabelecidos.

  5. Participação Eleitoral: A participação no processo eleitoral é uma característica fundamental dos partidos políticos. Participam nas eleições com o objetivo de conquistar cargos governamentais e influenciar as políticas públicas.

Lista de verificação

A sociologia começou a interessar-se pelo estudo da ideologia de culto no início do século passado, com o advento do nazismo, do fascismo de Mussolini e também com Stalin na União Soviética, notando que alguns movimentos políticos foram capazes de explorar e abusar dos seus membros através de técnicas sistemáticas de manipulação psicológica, que todos tinham em comum, independentemente de diferenças ideológicas, dos seus objetivos e dos ideais declarados.

São sete os pontos que analisaremos relativamente ao Chega. para verificar como um partido político pode tornar-se uma seita, ou adotar alguns princípios utilizados por este tipo de organizações, não olhando a meios para adquirir junto dos seus aderentes e do eleitorado em geral uma força poderosa, profundamente emocional, muito manipuladora e populista, tendo em vista o alargamento da sua base social. Vamos verificar ponto por ponto se o Chega, na sua organização e ação, cumpre as regras de um partido político, ou se pelo contrário se assemelha a uma seita.

Verificação 1: Se o grupo demonstra um compromisso excessivamente zeloso e inquestionável com o seu líder e considera o seu sistema de crenças, ideologias e práticas como a verdade absoluta.

Esta característica no CHEGA é mais do que evidente. Ventura é o líder único, sendo patético assistir aos outros 49 membros da bancada parlamentar a baterem palmas e a acenarem com a cabeça dizendo que sim, ainda que claramente Ventura tenha entrado pela asneira política ou pelo erro de apreciação, como frequentemente acontece. Qual a diferença deste comportamento para o de uma seita? Nenhuma. Investigadores descobriram que quando as convicções de um líder são desafiadas pelos factos, é mais provável que a seita acredite nas suas crenças ainda com mais fervor do que mudar de opinião. Será diferente no Chega? Não parece.

Verificação 2: Se o grupo está focado em ideologias totalitárias, extremista e populista.

A questão é saber se só as seitas são totalitárias, extremistas e populistas. A resposta é simples: Há também partidos com estas características, sendo certo que a fronteira com as seitas é sempre incerta. O que podemos dizer com segurança é que um partido democrático não pode adotar estes princípios. A ambiguidade do CHEGA neste aspeto é evidente. Do ponto de vista formal, tem de cumprir as regras que o Tribunal Constitucional impõe no cumprimento da lei, para ser aceite como partido legal e poder concorrer às eleições. Na prática, comporta-se violando as regras a que um partido está obrigado em muitos aspetos e em nada se diferencia de seitas nacionalistas. A resposta é ambígua no que concerne ao que o Chega proclama, sendo certo que a sua prática de extrema-direita populista não deixa dúvidas. Esta tensão entre um Chega legalizado e uma prática de extrema-direita populista atravessa a política de alianças com os partidos tradicionais de direita e está na ordem do dia, devendo manter-se num futuro próximo.

Verificação 3: Se o questionamento, a dúvida e a crítica são desencorajados ou mesmo punidos.

Numa Seita, as críticas, dúvidas e dissidências não são bem-vindas, ouvidas, nem consideradas, com o objetivo de refinar e melhorar a sua praxis. Em vez disso, são reprimidas. E no CHEGA, como é? Neste momento, verificam-se poucas dissidências conhecidas. O Chega é uma “federação” de variadas tendências de extrema-direita e de insatisfeitos de várias matizes. É a hora de unidade para desacreditar e enfraquecer as instituições do Estado Democrático. Mas as diversas sensibilidades pouco têm em comum, por isso, as dissidências vão acontecer à medida que os objetivos comuns se vão atingindo.

Verificação 4: Se são utilizadas práticas que alteram a mente para suprimir dúvidas sobre a organização e sobre o seu líder.

Os gritos, os slogans e as denúncias ajudam a condicionar os elementos do CHEGA a marcharem juntos e em sintonia. O insulto permanente aos outros partidos e aos seus líderes é um elemento importante e vital na ideologia do CHEGA: todos são corruptos e traem a pátria, inclusive o Presidente da República. O grupo é elitista, reivindicando um status especial e exaltado para si e para os seus membros. Por exemplo, o líder considera-se um ser único, um avatar, com uma missão especial de salvar Portugal. Diz que vai fundar a terceira república. Ventura tem-se declarado um regenerador dos verdadeiros desígnios da Pátria. Os membros do Chega consideram-se superiores aos seus inimigos políticos. Chegaram mesmo a apresentar os seus candidatos como figuras transformadoras e messiânicas com a missão especial de salvar o país.

Verificação 5: Se o grupo tem uma mentalidade polarizada de "nós contra os outros", causadora de conflitos com a sociedade em geral.

São os ciganos, os emigrantes, a comunidade LGBT, os defensores do aborto e dos direitos das mulheres os principais alvos a abater. Do ponto de vista partidário, todo o mal vem do Bloco de Esquerda e do PCP. Mas a todo o momento, de acordo com a conveniência política, vão aparecendo novos inimigos, como foi o caso do Presidente da República. Todos são alvos a abater desde que não concordem com o Chega. A resposta a esta verificação é claramente SIM. Vivem do conflito permanente, pois acham que é através deste meio que obterão o reconhecimento do eleitorado. Na realidade o que esta posição lhes tem trazido é a maior taxa de rejeição entre os partidos portugueses, comprovado em todas as sondagens de opinião.

Verificação 6: Se o líder acha que não tem que prestar contas a nenhuma autoridade.

O público sente cada vez mais que isto é verdade no que diz respeito ao Chega, especialmente depois das eleições para a Assembleia da República. Julgam ter o direito de se envolver em todo o tipo de comportamentos que a maioria considera repreensíveis e inaceitáveis. Acham que podem até infringir a lei, e fazê-lo impunemente, desde que julguem isso necessário. Este comportamento não é obviamente confessado. Mas sempre que a situação se agudiza, percebe-se que assim é, como foi o caso das disputas com o Presidente da Assembleia da República, com o Presidente do Brasil insultado alarvemente aquando de uma visita oficial, os insultos ao Presidente da República e ao líder do PSD acusado de prostituição política. Contra os outros partidos políticos vale tudo, desde o insulto, às mentiras e “fake-news”, e à agressão verbal, sempre tentando obstruir o contraditório.

Verificação 7: Se o grupo ensina ou dá a entender que os seus fins supostamente exaltados, justificam quaisquer meios que considerem necessários.

Isto pode resultar na participação dos membros em comportamentos ou atividades que se consideram repreensíveis, antiéticas ou mesmo criminosas. Criminosas? Sim, criminosas, senão vejamos: Basta ver como os membros zelosos do Chega falam dos outros online para ver quão extremado é o seu comportamento, e quão dispostos estão os seus mais ferozes e leais membros a degradar os opositores, na tentativa de os calar e intimidar. Certamente, não costumam falar assim com familiares, colegas de trabalho, clientes ou pessoas que encontram em público. Mas na net desligam a sua humanidade e educação quando começam a discutir política. Aí a gritaria começa. Nas redes sociais, toda a brutalidade é usada, sendo reveladora do verdadeiro comportamento que os anima. O Chega, aproveitando-se da inércia e inépcia dos seus opositores, ocupou todo o espectro na net. Usam a brutalidade na linguagem, as notícias falsas e as mentiras sobre os seus opositores para os aniquilar. Ganham sobretudo na quantidade. Se calhar na internet, em cada dez canais nove são propaganda do Chega. Este comportamento, que se revela nas redes sociais, é claramente crime em Portugal.

Conclusões

O Chega, apesar de ser um partido legalizado, adota um comportamento que em muitos aspetos se assemelha a uma seita. Para o Chega vale tudo: tira vantagem da sua condição de partido legal, concorrendo às eleições e recebendo do Estado as respetivas subvenções.

Na organização e ação, está muito longe do comportamento a que um partido está obrigado, e em muitos aspetos assemelha-se a uma seita política.