Ventura e a CPI das Gémeas

Ao contrário do que alguma imprensa sugere, não consideramos Ventura um político inteligente ou dotado de grande intuição política. Pelo contrário, essas características são notoriamente limitadas no líder do Chega. Ventura parece ter faltado ao dia em que se distribuiu inteligência política.

A ideia falhada de Ventura

Embora a inteligência política não faça parte das inteligências propostas originalmente por Howard Gardner na sua teoria das Inteligências Múltiplas, pode ser entendida como uma aplicação específica de várias dessas inteligências, especialmente as inteligências interpessoal e intrapessoal.

A Inteligência Interpessoal é a capacidade de compreender e interagir eficazmente com os outros, interpretando estados de humor, motivações e desejos. Claramente, Ventura não possui essa capacidade, como se evidencia pela alta taxa de rejeição que enfrenta, o que é um obstáculo à expansão do Chega. A Inteligência Intrapessoal, por sua vez, é a capacidade de compreender os próprios sentimentos e motivações, exigindo um profundo conhecimento de si mesmo. Também aqui Ventura parece falhar, pois demonstra uma ânsia de alcançar tudo de forma imediata, sem a serenidade necessária a um político de topo. Não vamos alongar-nos numa dissertação sobre a teoria das inteligências múltiplas.

Passando à análise do que já se sabe relativamente ao caso das “Gémeas Portuguesas”, tratadas no Hospital Santa Maria, parece que Ventura, acredita que a política se faz de artimanhas que julga dominar. Foi precisamente o que aconteceu com a CPI sobre o caso das Gémeas Portuguesas. Aqui começa a precipitação e a falta de inteligência de Ventura, pois ficou provado na própria CPI que ele criou e quis iniciar, que de acordo com a lei portuguesa, as meninas e a mãe são cidadãs portuguesas de pleno direito. Infelizmente para Ventura a lei é o que é, e não o que ele gostava que fosse. Assim, tinham direito a ser tratadas pelo SNS - Serviço Nacional de Saúde num hospital português, como aliás aconteceu com outras crianças com a mesma doença.. 

Ventura seguiu então por uma segunda tese que também não conseguiu provar. Erro número 2: alegar que houve interferência criminosa na obtenção do cartão de cidadão das crianças. Não há necessidade de aprofundar esta discussão, uma vez que parece não ter havido qualquer interferência, e mesmo que a prioridade tenha sido ajustada, tal seria compreensível, dada a urgência médica do caso.

Nem tudo é claro neste caso, mas com as teses principais de Ventura a desmoronarem-se logo à partida, a CPI está agora a tentar sobreviver, demonstrando que o filho de Marcelo Rebelo de Sousa teve um papel na condução das gémeas até ao Hospital de Santa Maria, insinuando interesses obscuros com a seguradora de saúde das meninas no Brasil. Estas são questões menores, consequência do fracasso das alegações iniciais. Como todos concordam, não há mal algum numa mãe querer salvar as suas filhas gémeas, e quaisquer pais fariam o mesmo. Ventura, o inquisidor, foi o único que resolveu acusar a mãe de mentir, pedindo a exibição de um vídeo que expunha as crianças, numa cena interrompida por Rui Paulo Sousa, presidente da CPI e membro do Chega. Nem os próprios apoiantes de Ventura o compreendem. Tudo isto resulta em trabalhos inúteis e desperdício de tempo, sem resultados concretos. Uma segunda linha  de investigação da CPI relaciona-se com ex-secretário de Estado Lacerda Sales. Tentam saber se este ex-membro do governo teve ou não um papel de facilitador no tratamento das meninas. É outro beco sem saída uma vez que se provou que as gémeas tinham direito ao tratamente que outras crianças também usufruiram. E assim vai a trapalhada que Ventura resolveu lançar. Vamos agora  analisar  as razões pelas quais o fez.

O jogo preferido de Ventura

Ventura aproveitou o caso para promover a sua agenda política:

  1. Criticar o Sistema de Saúde: Destacar falhas e ineficiências no sistema do nacional de saúdem SNS, posicionando-se como defensor das famílias portuguesas.

  2. Reforçar a Retórica Nacionalista: Usar o caso para enfatizar a ideia de que os recursos nacionais devem ser prioritariamente destinados aos cidadãos portugueses e que nunca deveria ser gasto dinheiro com as meninas brasileiras. Mas correu-lhe mal a ideia pois as gémeas são portuguesas..

  3. Ganhar Visibilidade: Aumentar a sua visibilidade pública e mediática, usando um caso emocionalmente carregado para captar a atenção dos meios de comunicação e do público. Ventura o inquisidor, descoberta tardia, mas em que muito aposta atualmente.

  4. Expor a Corrupção: A corrupção é o grande cavalo de batalha do Chega e de Ventura, que tenta aumentar a perceção da corrupção pelo eleitorado, tanto quanto lhe for possível, pois está convencido que essa é a via para atingir o poder e a presidência da república, à qual já se candidatou.

  5. Motivo principal é diminuir e atacar drasticamente a imagem de Marcelo Rebelo de Sousa: É neste aspeto que Ventura imita Hitler. Explicaremos porquê.

O que move verdadeiramente Ventura

Ventura acha que o eleitorado não se apercebe que a principal motivação da criação da CPI que promoveu com tanto afinco, é denegrir o mais que puder a imagem do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa. Passamos a explicar a razão da sua intenção.
Ventura vê-se a ele próprio como o salvador da Pátria, que vai fundar a terceira República, (que nunca explicou em que consiste), mas que será segundo ele, o renascer de uma nova alvorada. Mais: acha que tudo vai acontecer muito rapidamente. Ventura tem pressa, muita pressa, o que é mais um erro, pois na política há um tempo para que tudo se desenvolva. Ficou convencido quando o Chega subiu o número de deputados para 50, que tudo se tinha acelerado a tal ponto, que ele estaria na iminência de ser nomeado Primeiro Ministro até ao fim do ano de 2024, na sequência de novas eleições antecipadas. A verdade é que nunca o escondeu esta ideia.

Qual é a única instituição que pode obstaculizar que a sua pretensão se realize? Marcelo Rebelo de Sousa, claro, porque constitucionalmente tem poderes para tal. Aí pensou que é preciso abater Marcelo e coloca-lo numa posição de tal fraqueza, que esteja por tudo, e que o nomeie Primeiro-Ministro, logo que ele ganhe as eleições. Este é claramente o motivo desta absurda CPI.
Esta leitura simplista das dinâmicas políticas revela a sua falta de maturidade e compreensão das instituições democráticas. A sua fixação em atacar o Presidente através desta CPI reflete uma obsessão pessoal, mais do que uma estratégia política bem fundamentada.

Imitando Hitler

A comparação entre André Ventura e Adolf Hitler, bem como entre a situação conjuntural da Alemanha de 1933 e a de Portugal de 2024, é sensível e deve ser abordada com toda a cautela e rigor histórico, sob pena de se considerar que se está apenas a exagerar nas críticas a Ventura. Comecemos pelas diferenças para depois chegarmos às semelhanças.

André Ventura é conhecido pelas suas posições oportunistas, populistas, nacionalistas e racistas. Apelidar Ventura de fascista ou nazi seria um grande favor que lhe faríamos, que jamais faremos. Embora Hitler tenha sido um facinora e uma figura do mal, demonstrou uma tremenda inteligência política durante o seu período de ascensão. Hitler defendia uma ideologia sinistra, baseada numa obra teórica que escreveu intitulada Mein Kampf (em português: Minha Luta), na qual expressou as suas ideias antissemitas, antimarxistas, racistas e nacionalistas. Foi o líder do Partido Nazi na Alemanha e responsável por algumas das maiores atrocidades da história, incluindo o Holocausto e a Segunda Guerra Mundial.

Este não é o caso de André Ventura, que ainda não chegou ao poder e de quem não se conhece nenhuma obra que exprima o seu pensamento. Ventura é um oportunista que frequentemente recorre a atalhos nas posições que toma, de acordo com a agenda política. Navega à vista, como no caso das Gémeas.

Existe também uma substancial diferença de contexto entre a Alemanha do tempo de Hitler (1933) e Portugal de 2024. Hitler chegou ao poder num contexto de profunda crise e anarquia social, algo que não se verifica atualmente em Portugal.

Estas são as diferenças, passemos às semelhanças.

A situação na Europa é muito volátil. Putin, relativamente à União Europeia, tem um só pensamento: destruir o projeto europeu, pois considera-o uma ameaça ao seu próprio poder, pelo exemplo de liberdade e democracia. Trump, enquanto presidente dos EUA, mostrou também desprezo pela Europa e pela aliança transatlântica. Orbán, da Hungria, não é um cavalo de Troia de Putin na UE; é na verdade, um traidor e agente de Putin. A eventual reeleição de Trump pode precipitar uma mudança radical no contexto em que a Europa se move, com uma guerra terrível na Ucrânia de desfecho incerto.

Vamos também relembrar como Hitler chegou a chanceler e depois a Führer no tempo da Alemanha Nazi, que foi através de uma série de eventos políticos e sociais que culminaram na sua nomeação como Chanceler a 30 de janeiro de 1933. Posteriormente, já em ditadura consolidou o seu poder total e absoluto como Führer, após a morte do Presidente da Alemanha, Paul von Hindenburg. Sem substituir de forma alguma a leitura atenta da história, que os mais interessados devem fazer, veja aqui dois vídeos que referem os principais acontecimentos que levaram à ascensão de Hitler:

Relembramos que Hitler chegou ao poder usando os mecanismos do estado democrático. É importante reconhecer que, apesar das diferenças contextuais, há semelhanças inquietantes com o processo político que se desenvolve em Portugal. O governo resultante das últimas eleições é fraco, minoritário, e incapaz de gerar alianças que permitam governar. Uma aliança do Partido Social Democrata com o Chega seria abdicar definitivamente de exercer a função governativa, pois o Chega tomaria rapidamente conta do governo. A aliança com o Partido Socialista é também muito difícil, pois equivaleria à formação do que se chama em Portugal Bloco Central, anteriormente experimentado sem sucesso e que nem a esquerda nem a direita desejam. A situação de instabilidade governativa é terreno fértil para Ventura tentar tomar o poder, algo que Hitler conseguiu num contexto semelhante, do ponto de vista da instabilidade governativa. As manobras de Ventura visam claramente a sua ascensão ao poder, algo que não deve ser ignorado. Subestimar Ventura seria um erro perigoso, especialmente num contexto incerto da política internacional. Ventura tenta imitar Hitler, que continua a ser o grande inspirador da extrema-direita europeia.

Conclusão:

Em Portugal, existem mecanismos institucionais que regulam o acesso ao poder e garantem a nomeação do Primeiro-Ministro por um processo constitucional. No entanto, esses mecanismos também existiam durante a ascensão de Hitler na Alemanha, que não se tornou Führer por golpe de estado militar, mas distorcendo os mecanismos democráticos e legais que o estado alemão, colocava ao seu dispor. Hitler chegou ao poder num contexto de profunda crise e anarquia social, algo que não se verifica presentemente em Portugal. Porém, a possibilidade de implosão da UE será possível se Trump for reeleito e se empenhar juntamente com Putin e a extrema-direita europeia, em desmantelar a União Europeia, tentativa que já ocorreu na anterior eleição de Trump, felizmente sem sucesso pleno. Caso se verifique um novo consulado de Trump, a UE pode não ter meios de defesa suficientes para afastar tão grave ameaça. Não devemos ignorar ou menosprezar a manobra ardilosa de Ventura quando visa a sua ascensão a Primeiro-Ministro. A conjuntura atual é tão volátil que tudo pode acontecer muito rapidamente.